quarta-feira, 9 de agosto de 2017

GURU DE ALGIBEIRA

O meu livro mais recente - Guru de Algibeira - já está aí. É um pequeno grande livro de conselhos e epifanias  breves. Uma escrita cheia de paradoxos, como a vida. E de ironias.

Há o conteúdo, claro, e há a forma, e às vezes os dois encontram-se e o conteúdo é forma e a forma conteúdo. Parece-me ser esse o caso - modéstia ou imodéstia à arte - do Guru de Algibeira. E digo isso não só quanto ao texto e à sua estrutura, mas também quanto ao próprio livro: o tamanho, a capa, o grafismo das páginas... A fotografia do Fernando Dinis, tirada a meu pedido, porque queria uma fotografia de costas, saiu melhor do que a encomenda, para usar um lugar comum.

Confesso que estou satisfeito. O Jaime de Almeida e a Sílabas & Desafios fizeram um bom trabalho. A reacção ao livro, desde logo como objecto, tem sido de surpresa e de admiração. Quanto ao livro em si, aos textos, as reacções também têm sido positivas.

O prefácio do Fernando Cabrita faz-me todo o sentido e ainda me rio quando me recordo de que alguém a quem mostrei o livro numa fase inicial, o achou demais para o livro, demasiado elogioso, presumo. 


Pois bem, caros leitores agora é com vocês, pela minha parte ainda farei umas palestras recitais com o livro, mas o tempo é de ir em frente, por assim dizer.

Quem quiser comprar, esteja à vontade. Enviarei ou entregarei o livro em mão, devidamente autografado, durante o mês de Agosto. O preço também é um paradoxo, pequeno na dimensão e grande na oportunidade: 5 Euros + portes, se for caso disso.

Contactem-me pelo mail lnogueira1@gmail.com





quinta-feira, 27 de julho de 2017

GURU DE ALGIBEIRA

O meu livro mais recente - Guru de Algibeira - está quase a sair. É um pequeno grande livro de conselhos e de epifanias que leva a escrita breve aos limites entre a vulgaridade mais óbvia e a sabedoria mais profunda. Uma escrita cheia de paradoxos, como a vida. E de ironias.
Quem quiser reservar, esteja à vontade. Enviarei ou entregarei o livro em mão, devidamente autografado, durante o mês de Agosto. O preço também é um paradoxo, pequeno na dimensão e grande na oportunidade: 5 Euros.


Contactem-me pelo mail lnogueira1@gmail.com


terça-feira, 27 de junho de 2017

JÁ ALGUÉM DEVE TER DITO ISTO

Dizes-me para me colocar no teu lugar! A verdade é que te compreendo muito bem, já estive nesse lugar e não gostei. Não percebo é porque ainda aí estás!

Os espelhos recordam ao real que ele existe.

Um escritor é sempre um escritor, mesmo quando é mau; um escritor desonesto é sempre desonesto, mesmo quando é escritor.

O poema é dor e espanto engarrafados.

Somos quem não conseguimos deixar de ser, somos quem temos a coragem de ser.

Não penses, para existir não é preciso pensar!

Sou muitas vezes parvo mas tenho os meus momentos de lucidez, aqueles em que percebo que sou muitas vezes parvo.

Se pudéssemos ser sempre felizes íamos ser muito infelizes.

Não desistas, poderás nunca ganhar mas também nunca perderás!

O escritor é um cego que teima em ver.

Nasceste nu, mas cedo te vestiste de ti.

Os livros são árvores a que subimos para ver mais longe.

Os livros são labirintos onde nos encontramos.

Os livros são espelhos em que nos lemos.

O paraíso é o espaço e o tempo em que improvavelmente és feliz.

Sê autêntico mesmo que te sintas esquisito, ser esquisito é ser singular.

Para ser é preciso querer, mas também é preciso aprender a não resistir a esse querer.

Dizes a ti mesmo que não faz mal, que é por tentativa e erro que sempre se avança, e tentas de novo e de novo erras. E dizes a ti mesmo que tentar de novo pode ser um erro em si, e talvez de novo erres, mas deixas de tentar.

Não tenho muito para vos dar, mas espero que desse pouco possam retirar muito. É assim que escrevo.

Não acredito na divisão entre corpo e alma: o corpo tem ele mesmo uma alma; a alma tem ela mesma um corpo.

As palavras são roupa com que nos enfeitamos e nos protegemos.

Dizer que não se tem palavras para dizer alguma coisa é dar demasiada importância às palavras.

Nunca sou, antes estou, estou sempre a ser.

Muito do que calo é o que eu queria dizer, muito do que eu queria dizer é silêncio.

Amor é mar, aroma, romã, melodia exuberante de uma só nota.

A intimidade intimida-me, facilmente as palavras se tornam palavreado.

Não vás, deixa-te ir: é a única forma de chegar.

Deixas de estar sozinho quando aceitas que (só) estás só.

Se podes vestir-te de medos, também podes despir-te deles.

Aprendo imenso com a dor e o sofrimento, mas dispensava-os bem!

Que sentido faria viver se a vida tivesse um sentido?

O que se diz é importante, mas o modo como se diz é ainda mais importante.

Talvez me preocupe bastante ser (ou não ser) amado, mas preocupa-me muito mais ser (ou não ser) capaz de amar.

Talvez o amor não seja único, mas a verdade é que ele não se repete.

O amor é ditadura, o amor é utopia, o amor é uma doença autorizante.

Nunca desistas (de viver), viver é resistir, viver é insistir.

É ao ritmo do coração que vivemos, escuta sempre o teu coração (ou ficarás com maus fígados).

A tristeza é um mar (que te rodeia), tens de aprender a caminhar sobre as águas se queres ser feliz.

De nada servirá a dor se nada aprendermos com ela.

Dar pérolas a porcos é como dar toucinho a ostras.

Quando um não quer, dois não podem.

Para bom entendedor meia palavra bas...

Muitas vezes, para encontrar o coração, é preciso perder a cabeça.

Não penses duas vezes se podes pensar três.

Tu também és o medo que sentes, mas não te esqueças de que o medo que sentes não és tu.

Somos sempre quem escolhermos ser.

Se não tens tomates não podes fazer salada (de tomate)!

O "mas" é a bengala e a âncora da cobardia.

Tenho pouco para dar, mas dou mais do que tenho.

Deixa de procurar a felicidade e terás mais tempo para ser feliz.

A corrente incensação de escritores medíocres revela a continua necessidade de literatura na nossa vida.

Diz-se que há cada vez mais maus escritores, mas também se poderia dizer que há cada vez mais maus leitores. Interessam-me mais os segundos que os primeiros, é verdade, mas num e noutro caso é sempre a literatura que é prejudicada: ganha maus escritores e perde bons leitores.

Voar é viver acima das nossas limitações.

Pensas que se nada fizeres não errarás e já cometeste o maior dos erros.

É muito difícil ser simples, só nos dicionários é que simples e fácil são uma mesma coisa.

Não existem bandos de um, por mais que qualquer um queira.

Somos todos palimpsesto.

Na cena literária todos têm um papel, ainda que seja higiénico.

Podemos até achar que a vida nunca tem sentido, mas em nenhum caso devemos perder o sentido de humor.

Qual é a semelhança entre um autor e um operário da construção civil?
Ambos trabalham na obra.

Tens razão, tens toda a razão! É verdade, é mesmo verdade (não deixa no entanto de ser apenas a tua razão).

            A atenção é a chave; a felicidade a fechadura.

A vida é uma balança de dois pratos (ora muito triste, ora muito feliz) raramente em equilíbrio.

Talvez não seja preciso tanto compreender a vida como dar-lhe um sentido; mas não será afinal o mesmo?

A única solução para todos os problemas é aceitar que nem todos os problemas têm solução.

Há os que têm tudo e nunca têm nada e os que têm sempre tudo mesmo quando nada têm.

O bode expiatório tem as costas largas.

Tentar fazer já é fazer. Quanto mais tentas, mais fazes.

Saber ouvir (os outros e a nós mesmos) é pura sabedoria.

A sabedoria pode ser muda, mas nunca é surda.

Nada tem sentido, somos nós que conferimos sentido a tudo.

A vida é, basicamente, como diria a minha filha, amar e sofrer.

Escrever é a minha forma de estar calado.

O que nos define é o modo como lidamos com as nossas limitações.

Acredito tanto mais em mim quanto mais duvido de mim.

Quando falamos mal dos outros é quase sempre de nós que falamos.

Se queres parecer inteligente, cala-te.

Bizarro quantas vezes se nega o amor em nome do amor!

A escrita é uma rede que tudo captura e tudo deixa escapar.

Talvez a verdade seja uma ilusão, mas a sua procura é bem real.

Raramente me zango com quem quer que seja, fico apenas triste e desiludido.

Quanto maior é a intensidade com que vivemos maior é o controlo que necessitamos e menor é o controlo que temos.

Se queres que te ouçam, experimenta calar-te.

Existe a maré-alta e a baixa-mar, mas o mar é só um.

Fazer com que as pequenas preocupações se tornem grandes é a forma mais comum de nos preocuparmos.

O mais sério que podes ser/fazer é não te levares (demasiado) a sério.

Se não duvidas, nem por um momento, de estar certo, já estás errado.

Só há uma única forma de fazer e é fazendo. Tentando, errando e persistindo.

Não sou nem tão sábio nem tão tolo quanto precisaria para conhecer a serenidade.

Quando, numa relação, um nunca tem razão, a razão só pode ser o outro.

Prefiro os sábios aos cultos. Os sábios podem não ser cultos, mas nunca serão idiotas. Já os idiotas, muitos são cultos.

A verdade seria muitas vezes óbvia e acessível, não a julgássemos nós quase sempre obscura e inacessível.

Não te esforces, nunca te esforces, limita-te a fazer.

Se já perdeste a guerra, porque ainda travas batalhas?

Nunca se é culpado desde que se seja responsável (ou não).

Sou como sou, o que quer que isso seja.

Ser livre é (ser capaz de) escolher a que (ou a quem) servir.

Para que exista um diálogo é preciso que todos estejam disponíveis para ouvir. Se tal não acontecer, estou fora. Se então me acusarem de não estar disposto a ouvir, é porque não estou mesmo.

Talvez ser menos seja ser mais.

Estar concentrado não é ser menos, é ser mais.

Gostar ou não gostar, eis o Facebook.

Age como tiveres de agir que eu agirei como tiver de agir. Sem ressentimentos.

A verdadeira força é fazer das fraquezas força.

Queres ser compreendido/a? Talvez devas começar por tentar compreender os outros!

Persisto porque é da minha natureza persistir, ou sou assim apenas porque persisto?

Ter uma imagem de si mesmo melhor do que aquela que os outros têm de si, não só é normal como também é necessário.

O mais importante é quase invisível. Podes pressenti-lo mas não podes vê-lo.

Não procures fora de ti o que só dentro de ti existe.

Não sabermos quem somos é sermos. Ser é sempre estar à procura.

Cada vez mais me preocupo menos com o que não é importante.

Pior que ser parvo é não saber que se é parvo.

Ser ridículo é inevitável quando se é humano, mas mais vale ser do que parecer.

Cala-te com frequência, não só ouvirás mais como a vida te correrá melhor.

Somos tão bons a criar regras como a criar excepções.

Umas vezes é preciso encher a taça, outras vezes é preciso esvaziá-la.

Enganar os outros é fácil, difícil é ser honesto.

Não acreditas em ti porque existes, a verdade é que existes porque acreditas em ti. Acredita em ti.

Os defeitos e as virtudes têm muito menos importância em si do que o modo como nós os encaramos e usamos.

Ao amor não interessa se é correspondido ou quanto tempo dura, ao amor basta-lhe existir.


sexta-feira, 7 de abril de 2017

Ó DIABO


Olhei para o homem com insistência até que ele deu por isso e me devolveu o olhar. Na verdade, não só me devolveu o olhar, como me sorriu. Virei a cara e esforcei-me por não o olhar de novo, no entanto, pouco depois, dei por mim a olhá-lo de outra vez com insistência.
É que ele era mesmo esquisito e eu sou muito curioso, pelo menos é o que os meus pais me estão sempre a dizer. E os meus amigos também, para dizer a verdade. O Paulo, o meu melhor amigo, quando se quer meter comigo, costuma dizer que eu sou tão curioso que até gosto de estudar, e é verdade, mas ele diz aquilo só para se meter comigo e eu não gosto, porque os que andam na minha turma e gostam muito de estudar são quase sempre muito aborrecidos.
Eu gosto de estudar, gosto de saber coisas, sou curioso, não vejo nada de mal nisso, mas também gosto de brincar e de me divertir. Se querem saber, estudar pode ser divertido, coisa que às vezes os professores parecem ter esquecido.
Os professores, salvo raras excepções, e os adultos em geral, levam sempre tudo muito sério e são bastante aborrecidos. O homem estava outra a vez a sorrir-me, o que era só por si esquisito, não fosse ele mesmo ser bastante esquisito.
Era esquisito, sim, mas não era um esquisito assustador, era mais um esquisito apenas esquisito, como se fosse, sei lá, um cão com cornos, que seria esquisito, sem dúvida, mas não tão esquisito que me assustasse, por que há animais com cornos e nem por isso são perigosos, e claro que existem cães, alguns bastante assustadores, mas não por terem cornos.
Os meus pais também me dizem que tenho uma imaginação muito grande, mas os adultos parecem todos achar que as crianças têm todas uma imaginação muito grande, o que não deixa de ser verdade, mas alguns adultos também têm uma imaginação muito grande, sobretudo os artistas.
Seja como for o homem era esquisito, tão esquisito que eu nem sou capaz de dizer porquê, isto porque aquilo que o tornava esquisito não era nada óbvio, não era algo que se pudesse na verdade descrever, era preciso ver, ou melhor, era preciso sentir. Parecia mover-se muito mais lentamente que o normal e digo isto ainda que ele estivesse sentado, o que pode parece estranho; mas quando sorriu o seu sorriso abriu-se tão lentamente que parecia que estava a sorrir em câmara lenta e a verdade é que ele até poderia mover a cabeça lentamente, o que de facto também aconteceu, mas qualquer um pode mover a cabeça lentamente, agora sorrir é que não, é algo quase involuntário, que ninguém controla de maneira que permita sorrir como ele sorria.

Fiquei intrigado, fiquei mesmo intrigado, e soltei uma imprecação que aprendi com o meu avô: Ó diabo! E mal disse isto, o homem à minha frente desapareceu, sim, desapareceu, não se foi embora, desapareceu mesmo, do pé para a mão, sem mais nem menos. Ó diabo, repeti, Ó diabo!



terça-feira, 7 de março de 2017

#enepequenashistorias (actualizado)

E de repente dás por ti do lado de lá. Dás por ti do lado de lá e a surpresa que sentes não é a de aí estares mas a surpresa de aí teres chegado, como se de repente visses o que sempre podias ter visto mas nunca antes viras. Tentas descrever essa sensação, certo de que em breve desaparecerá, mas sentes que as palavras simples que dispões em frases simples, em vez de a revelarem, ainda mais a ocultam. E pouco a pouco, muito pouco a pouco, dás por ti do lado de cá do então lado de lá.

*

Acreditou que estava a multiplicar-se, mas a verdade é que estava a dividir-se. Seja como for, passou de um a muitos.

Vivia sempre aqui e agora, umas vezes mais aqui, outras vezes mais agora.

Mas tu nem sabias que eu existia, retorquiu-lhe ela, quando ele lhe declarou o seu amor, mas a verdade é que nem ele mesmo sabia que existia antes de a conhecer.

Quando era novo, não acreditavam nele porque era novo; quando finalmente chegou a velho, não acreditavam nele porque era velho. Verdade seja dita, a ele aconteceu-lhe exactamente o mesmo.

Os lápis levam vidas perigosas, cheias de riscos. As borrachas são assassinos autofágicos. Escusado será acrescentar que os apara-lápis são tarados sexuais e as folhas em branco virgens excitadas.

Seguiu sempre a sua natureza, talvez por isso nunca a tenha verdadeiramente encontrado. (Às vezes, ficar parado é melhor do que estar em movimento.)
Esqueceu-se de tal forma de si mesmo que esqueceu a sua própria natureza. Ou talvez a sua natureza fosse esquecer-se.

A amendoeira oferecia as suas flores a quem passava e quem as via logo as levava consigo no branco tingido de rosa dum olhar bucólico.

Ele era ou estava apenas a ser? E estava a ser ele mesmo ou estava a ser outro? Não interessava, não interessava mesmo nada; fosse como fosse, ele podia sempre dizer quem era e só isso verdadeiramente interessa. (Somos sempre quem escolhermos ser.)

Procurou a todo o custo entrar em contacto com a namorada, até que se lembrou de que não tinha namorada e desistiu. Talvez fosse por isso mesmo que não tinha namorada!

Um dia deixou de procurar a felicidade, a partir daí foi muito mais feliz.
(Deixa de procurar a felicidade e terás mais tempo para ser feliz.)

Queria ser saudável, poderoso e famoso. Com o tempo tornou-se poderoso, mas tinha perdido toda a saúde e logo morreu, tornando-se incrivelmente famoso.

Era bom, muito bom, excelente mesmo, a dizer que era bom. Na verdade era a única coisa em que ele era mesmo bom.

Quanto mais se esforçava por sobreviver menos vivia, até que um dia morreu sem quase ter vivido. Nunca percebeu que fugia da vida quando pensava estar a fugir da morte.

As suas críticas eram tão acutilantes que, com o tempo, tornou-se assassino profissional.

A tristeza enchia-o tanto que quando transbordava ele se sentia quase alegre.

Achava a vida um desafio e ria-se sempre dos desafios, escusado será dizer que morreu a rir.

Cresce e aparece, disseram-lhe, e ele cresceu, cresceu e cresceu; cresceu tanto que quase desapareceu.

O bode expiatório só descansou quando encontrou a cabra incriminadora.

Vinham de muito longe com as suas perguntas e o sábio ouvia tudo o que lhe diziam mas nada respondia, facto que nunca impediu que muitos obtivessem uma resposta. (Na verdade todos sabemos que perguntar é quase responder, basta ouvir bem as perguntas.)

Estava um homem sentado, nada fazendo, quando a morte se aproximou por detrás, pé ante pé, e lhe gritou bem alto aos ouvidos: Vive! Vive agora! Escusado será dizer que homem se assustou de tal forma que...
Errou, errou e continuou a errar, mas nunca desistiu: sabia que esse era o único caminho certo.

Muitas vezes foi infeliz, mas nunca o procurou; talvez por isso afirmasse com convicção que todavia foi sempre feliz.

Falava mal de tudo e de todos e sentia-se bem, até que um dia deu por si a falar mal de si mesmo e sentiu-se ainda melhor. Daí para a frente nunca mais falou mal de nada nem de ninguém a não ser de si mesmo.

Tinha ideias próprias e expressava-as com grande convicção. Que ninguém percebesse o que dizia não vem ao caso. E que só a si se ouvisse, também não.

Decidiu um dia que ia ser escritor. Vou ser romancista e poeta, afirmou sem hesitações. Tinha dupla personalidade.

Enfiou barrete em cima de barrete até que a sua cabeça mais parecia uma avelã. Talvez por isso se achasse tão diferente, talvez por isso achasse que os outros eram todos tão iguais.

Nunca se sentiu feliz por estar vivo, no entanto vezes houve momentos em que se sentiu feliz por não estar morto.

Nunca leu um romance do princípio ao fim, na verdade leu sempre apenas o princípio e o fim de cada um deles, o que não o impediu de ser um dos críticos mais certeiros e mais influentes do seu tempo e, verdade seja dita, lhe deixou muito mais tempo para pensar.

Um dia decidiu que ia ser escritor e logo ali escreveu meia dúzia de excelentes títulos. Agora só falta escrever os livros, vociferou com ênfase.

Estava preocupado, muito preocupado, e quanto mais preocupado estava mais preocupado ficava, até que olhou a sua preocupação bem de frente e a viu diminuir progressivamente até desaparecer por completo. Foi então, nesse exacto momento em que percebeu que não tinha afinal qualquer razão para estar preocupado, que ficou verdadeiramente preocupado: Como é que tinha sido possível ficar tão preocupado sem qualquer razão para isso?

Era um homem alegre, um optimista, e foi essa característica que o manteve sempre feliz mesmo em tempos de maior infelicidade.

Um homem esforçou-se toda a sua vida por ser bom para os outros e umas vezes foi e outras não. E isso não se deveu tanto ao seu esforço como às suas acções.


No momento em que alcançou tudo o que sempre quisera, percebeu que nunca quisera nada daquilo. Morreu feliz.

segunda-feira, 6 de março de 2017

JÁ ALGUÉM DEVE TER DITO ISTO (ACTUALIZAÇÃO)

Não tenho muito para vos dar, mas espero que desse pouco possam retirar muito. É assim que escrevo.

Não acredito na divisão entre corpo e alma: o corpo tem ele mesmo uma alma; a alma tem ela mesma um corpo.

As palavras são roupa com que nos enfeitamos e nos protegemos.

Dizer que não se tem palavras para dizer alguma coisa é dar demasiada importância às palavras.

Nunca sou, antes estou, estou sempre a ser.

Muito do que calo é o que eu queria dizer, muito do que eu queria dizer é silêncio.

Amor é mar, aroma, romã, melodia exuberante de uma só nota.

A intimidade intimida-me, facilmente as palavras se tornam palavreado.

Não vás, deixa-te ir: é a única forma de chegar.

Deixas de estar sozinho quando aceitas que (só) estás só.

Se podes vestir-te de medos, também podes despir-te deles.

Aprendo imenso com a dor e o sofrimento, mas dispensava-os bem!

Que sentido faria viver se a vida tivesse um sentido?

O que se diz é importante, mas o modo como se diz é ainda mais importante.

Talvez me preocupe bastante ser (ou não ser) amado, mas preocupa-me muito mais ser (ou não ser) capaz de amar.

Talvez o amor não seja único, mas a verdade é que ele não se repete.

O amor é ditadura, o amor é utopia, o amor é uma doença auto-imune.

Nunca desistas (de viver), viver é resistir, viver é insistir.

É ao ritmo do coração que vivemos, escuta sempre o teu coração (ou ficarás com maus fígados).

A tristeza é um mar (que te rodeia), tens de aprender a caminhar sobre as águas se queres ser feliz.

De nada servirá a dor se nada aprendermos com ela.

Dar pérolas a porcos é como dar toucinho a ostras.

Quem ama o feio, parece mais bonito.

Quando um não quer, dois não podem.

Para bom entendedor meia palavra bas...

Quem jura é jurado.

Muitas vezes, para encontrar o coração, é preciso perder a cabeça.

Não penses duas vezes se podes pensar três.

Não vivas amanhã o que podes viver hoje.

Com coisas sérias não se usa brinco.

Tu também és o medo que sentes, mas não te esqueças de que o medo que sentes não és tu.

Somos sempre quem escolhermos ser.

Se não tens tomates não podes fazer salada (de tomate)!

O "mas" é a bengala e a âncora da cobardia.

Tenho pouco para dar, mas dou mais do que tenho.

As palavras beijam-nos e abraçam-nos, mas os beijos e os abraços são mudos.
Deixa de procurar a felicidade e terás mais tempo para ser feliz.

A corrente incensação de escritores medíocres revela a continua necessidade de literatura na nossa vida.

Diz-se que há cada vez mais maus escritores, mas também se poderia dizer que há cada vez mais maus leitores. Interessam-me mais os segundos que os primeiros, é verdade, mas num e noutro caso é sempre a literatura que é prejudicada: ganha maus escritores e perde bons leitores.

Voar é viver acima das nossas limitações.

Pensas que se nada fizeres não errarás e já cometeste o maior dos erros.

É muito difícil ser simples, só nos dicionários é que simples e fácil são uma mesma coisa.

Não existem bandos de um, por mais que qualquer um queira.

Somos todos palimpsesto.

Na cena literária todos têm um papel, ainda que seja higiénico.

Podemos até achar que a vida nunca tem sentido, mas em nenhum caso devemos perder o sentido de humor.

Qual é a semelhança entre um autor e um operário da construção civil?
.
.
.
Ambos trabalham na obra.

Tens razão, tens toda a razão! É verdade, é mesmo verdade (não deixa no entanto de ser apenas a tua razão).

A atenção é a chave; a felicidade a fechadura.

A vida é uma balança de dois pratos (ora muito triste, ora muito feliz) raramente em equilíbrio.

Talvez não seja preciso tanto compreender a vida como dar-lhe um sentido; mas não será afinal o mesmo?

A única solução para todos os problemas é aceitar que nem todos os problemas têm solução.

Há os que têm tudo e nunca têm nada e os que têm sempre tudo mesmo quando nada têm.

O bode expiatório tem as costas largas.

Tentar fazer já é fazer. Quanto mais tentas, mais fazes.

Saber ouvir (os outros e a nós mesmos) é pura sabedoria.

A sabedoria pode ser muda, mas nunca é surda.

Nada tem sentido, somos nós que conferimos sentido a tudo.

A vida é, basicamente, como diria a minha filha, amar e sofrer.

Escrever é a minha forma de estar calado.

O que nos define é o modo como lidamos com as nossas limitações.

Acredito tanto mais em mim quanto mais duvido de mim.

Quando falamos mal dos outros é quase sempre de nós que falamos.

Se queres parecer inteligente, cala-te.

Bizarro quantas vezes se nega o amor em nome do amor!

A escrita é uma rede que tudo captura e tudo deixa escapar.

Talvez a verdade seja uma ilusão, mas a sua procura é bem real.

Raramente me zango com quem quer que seja, fico apenas triste e desiludido.

Quanto maior é a intensidade com que vivemos maior é o controlo que necessitamos e menor é o controlo que temos.

Se queres que te ouçam, experimenta calar-te.

Existe a maré-alta e a maré-baixa, mas o mar é só um.

Fazer com que as pequenas preocupações se tornem grandes é a forma mais comum de nos preocuparmos.

O mais sério que podes ser/fazer é não te levares (demasiado) a sério.

Se não duvidas, nem por um momento, de estar certo, já estás errado.

Só há uma única forma de fazer e é fazendo. Tentando, errando e persistindo.

Não sou nem tão sábio nem tão tolo quanto precisaria para conhecer a serenidade.

Quando, numa relação, um nunca tem razão, a razão só pode ser o outro.

Prefiro os sábios aos cultos. Os sábios podem não ser cultos, mas nunca serão idiotas. Já os idiotas, muitos são cultos.

A verdade seria muitas vezes óbvia e acessível, não a julgássemos nós quase sempre obscura e inacessível.

Não te esforces, nunca te esforces, limita-te a fazer.

Não há escritores menores, há apenas escritores baixos.

Se já perdeste a guerra, porque ainda travas batalhas?

Nunca se é culpado desde que se seja responsável (ou não).

Sou como sou, o que quer que isso seja.

Ser livre é (ser capaz de) escolher a que (ou a quem) servir.

Para que exista um diálogo é preciso que todos estejam disponíveis para ouvir. Se tal não acontecer, estou fora. Se então me acusarem de não estar disposto a ouvir, é porque não estou mesmo.

Talvez ser menos seja ser mais.

Estar concentrado não é ser menos, é ser mais.

Gostar ou não gostar, eis o Facebook.

Age como tiveres de agir que eu agirei como tiver de agir. Sem ressentimentos.

A verdadeira força é fazer das fraquezas força.

Queres ser compreendido/a? Talvez devas começar por tentar compreender os outros!

Persisto porque é da minha natureza persistir, ou sou assim apenas porque persisto?

Ter uma imagem de si mesmo melhor do que aquela que os outros têm de si, não só é normal como também é necessário.

O mais importante é quase invisível. Podes pressenti-lo mas não podes vê-lo.

Não procures fora de ti o que só dentro de ti existe.

Não sabermos quem somos é sermos. Ser é sempre estar à procura.

Cada vez mais me preocupo menos com o que não é importante.

Pior que ser parvo é não saber que se é parvo.

Ser ridículo é inevitável quando se é humano, mas mais vale ser do que parecer.

Cala-te com frequência, não só ouvirás mais como a vida te correrá melhor.

Somos tão bons a criar regras como a criar excepções.

Umas vezes é preciso encher a taça, outras vezes é preciso esvaziá-la.

Enganar os outros é fácil, difícil é ser honesto.

Não acreditas em ti porque existes, a verdade é que existes porque acreditas em ti. Acredita em ti.

Os defeitos e as virtudes têm muito menos importância em si do que o modo como os encaramos e usamos.

Ao amor não interessa se é correspondido ou quanto tempo dura, ao amor basta-lhe existir.


domingo, 12 de fevereiro de 2017

Manhã de Domingo na cidade velha

Vida:
como ir a direito
se o caminho serpenteia sempre?

*

Céu cinzento
Promessa de chuva
Desilusão

*

Linha do comboio -
e se a vida for
apenas isto?

*

Os candeeiros apontam o céu
as gaivotas imitam o vento -
manhã de domingo

*

O céu e a gaivota -
Ambos vestidos
de inverno

*

O cais repousa
no cinzento do mar
ou no cinzento do céu?

*

O vento gosta
dos cabelos compridos
ou será que os detesta?

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

MANHÃ DE DOMINGO NA ILHA DE FARO

uma mão na costa
outra mão na ria
espreguiça-se a ilha

*

caminho sem pressas
junto ao mar
a areia recorda

*

escrevo na areia
com uma cana
o mar vem ler

*

as ondas vêm e vão
as pegadas
também

*

entre o branco da espuma das ondas
e o branco das ondas
a ilha

*

linha da costa
linha do horizonte
entre uma e outra o mar

*

escrevo uma linha
escrevo outra linha
para quê escrever mais?

(...)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

DA MINHA JANELA VÊ-SE O ALGARVE - 02FEV2017

Em Portugal, nada se cria, nada se perde, tudo fica na mesma.


Um livro é escrito e depois é publicado; são dois momentos diferentes, um privado e outro público, e assim devem ser entendidos. Se me perguntassem o que se deve exigir de um livro, diria que, num primeiro momento, ele deve ser escrito por necessidade, o que pode não ser suficiente mas é sem dúvida condição necessária para um bom livro. Um livro que não se escreve por necessidade muito dificilmente será um livro necessário. Num segundo momento, o da publicação, diria que esse livro deve ser capaz de mostrar algo de novo ao leitor porque, nas palavras do escritor Arturo Perez-Reverte, “Um livro que não muda o olhar do leitor é uma merda de livro. E o mundo está cheio de merdas de livros que não mudam nada. São apenas fruto da vaidade onanista de autores que não têm nada para dizer."

Assim, tomemos por hipótese que um livro foi escrito e publicado, um livro escrito por necessidade que oferece ao leitor uma nova forma de ver o mundo. Mas será tal condição suficiente para que seja lido? Se o livro está escrito pode ser lido, pelo menos pelos leitores da mesma língua, porém é preciso que saibam que foi escrito e que esteja à disposição do leitor, e essa é sem dúvida outra história. Muitas razões poderiam ser invocadas, mas gostaria de salientar uma, que me parece bem portuguesa e que o filósofo José Gil bem apontava no seu livro “Portugal, Hoje – O Medo de Existir”, e a que chama “não inscrição”. Nas palavras de José Gil, “Pode-se continuar como se nada se tivesse passado. Os acontecimentos não se inscrevem em nós, nem nas nossas vidas, nem nós nos inscrevemos na História. Por isso, em Portugal nada acontece.”

Brincando muito a sério com esta situação, adaptei em tempos a lei de Lavoisier à realidade portuguesa, transformando a conhecida fórmula “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” no meu próprio lamento doloroso “Em Portugal, nada se cria, nada se perde, tudo fica na mesma.” Porque o que acontece em Portugal, e voltemos aos livros e à literatura, é que as obras literárias não se discutem verdadeiramente, nem mesmo nos meios literários. Por isso um livro é escrito, publicado e nada acontece. Pelo menos na maior parte das vezes.

Quando falo em discutir um livro, falo em entrar em diálogo com esse livro, questioná-lo, afirmá-lo ou negá-lo, e não apenas soltar um lacónico “gostei” ou “não gostei”. Porque em Portugal normalmente critica-se mas não se discute, apenas se louva ou se denigre, quase sempre de forma lacónica. Espero caro leitor, não ter caído também eu nesse erro, porque, como diria um velho amigo, não sou pessimista nem optimista, antes pelo contrário.

De referir que os excertos citados foram retirados de entrevistas realizadas pelo jornalista Paulo Moura, que podem ser encontradas com facilidade na internet.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Meditação

Inspiras e expiras, vives. Amor e dor entram e saem, é isto a vida. Por mais que tentes, nunca conseguirás inspirar apenas amor e expirar apenas dor.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

AFORRISMOS - #jaalguemdeveterditoisto

Há os que têm tudo e nunca têm nada e os que têm sempre tudo mesmo quando nada têm.

O bode expiatório tem as costas largas.

Tentar fazer já é fazer. Quanto mais tentas mais fazes.

Saber ouvir (os outros e a nós mesmos) é pura sabedoria.

A sabedoria pode ser muda, mas nunca é surda.

Nada tem sentido, somos nós que conferimos sentido a tudo.

A vida é, basicamente, como diria a minha filha, amar e sofrer.

Escrever é a minha forma de estar calado.

O que nos define é o modo como lidamos com as nossas limitações.

Acredito tanto mais em mim quanto mais duvido de mim.

Quando falamos mal dos outros é quase sempre de nós que falamos.

Se queres parecer inteligente, cala-te.

Bizarro quantas vezes se nega o amor em nome do amor!

A escrita é uma rede que tudo captura e tudo deixa escapar.

Talvez a verdade seja uma ilusão, mas a sua procura é bem real.

Raramente me zango com quem quer que seja, fico apenas triste e desiludido.

Quanto maior é a intensidade com que vivemos maior é o controlo que necessitamos e menor é o controlo que temos.

Se queres que te ouçam, experimenta calar-te.

Existe a maré alta e a maré baixa, mas o mar é só um.

Fazer com que as pequenas preocupações se tornem grandes é a forma mais comum de nos preocuparmos.

O mais sério que podes ser/fazer é não te levares (demasiado) a sério.

Se não duvidas, nem por um momento, de estar certo, já estás errado.

Só há uma única forma de fazer e é fazendo. Tentando, errando e persistindo.

Não sou nem tão sábio nem tão tolo quanto precisaria para conhecer a serenidade.

Quando, numa relação, um nunca tem razão, a razão só pode ser o outro.

Prefiro os sábios aos cultos. Os sábios podem não ser cultos, mas nunca serão idiotas. Já os idiotas, muitos são cultos.

A verdade seria muitas vezes óbvia e acessível, não a julgássemos nós quase sempre obscura e inacessível.

Não te esforces, nunca te esforces, limita-te a fazer.

Não há escritores menores, há apenas escritores baixos.

Se já perdeste a guerra, porque ainda travas batalhas?

Nunca se é culpado desde que se seja responsável (ou não).

Sou como sou, o que quer que isso seja.

Ser livre é (ser capaz de) escolher a que (ou a quem) servir.

Para que exista um diálogo é preciso que todos estejam disponíveis para ouvir. Se tal não acontecer, estou fora. Se então me acusarem de não estar disposto a ouvir, é porque não estou mesmo.

Talvez ser menos seja ser mais.

Estar concentrado não é ser menos, é ser mais.

Gostar ou não gostar, eis o Facebook.

Age como tiveres de agir que eu agirei como tiver de agir. Sem ressentimentos.

A verdadeira força é fazer das fraquezas força.

Queres ser compreendido/a? Talvez devas começar por tentar compreender os outros!

Persisto porque é da minha natureza persistir, ou sou assim apenas porque persisto?

Ter uma imagem de si mesmo melhor do que aquela que os outros têm de si, não só é normal como também é necessário.

O mais importante é quase invisível. Podes pressenti-lo mas não podes vê-lo.

Não procures fora de ti o que só dentro de ti existe.

Não sabermos quem somos é sermos. Ser é sempre estar à procura.

Cada vez mais me preocupo menos com o que não é importante.

Pior que ser parvo é não saber que se é parvo.

Ser ridículo é inevitável quando se é humano, mas mais vale ser do que parecer.

Cala-te com frequência, não só ouvirás mais como a vida te correrá melhor.

Somos tão bons a criar regras como a criar excepções.

Umas vezes é preciso encher a taça, outras vezes é preciso esvaziá-la.

Enganar os outros é fácil, difícil é ser honesto.

Não acreditas em ti porque existes, a verdade é que existes porque acreditas em ti. Acredita em ti.

Os defeitos e as virtudes têm muito menos importância em si mesmos do que o modo como os encaramos e usamos.


Ao amor não interessa se é correspondido ou quanto tempo dura, ao amor basta-lhe existir.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Em legítima defesa

Sei hoje que ninguém antes de ti
morreu profundamente para mim
Aos outros foi possível ocultá-los
na sua irredutível posição horizontal
sob a capa da terra maternal
Choramo-los imóveis e voltamos
à nossa irrequieta condição de vivos
Arrumamos os mortos e ungimo-los
São uma instituição que respeitamos
e às vezes lembramos celebramos
nos fatos que envergamos de propósito
nas lágrimas nos gestos nas gravatas
com flores e nas datas num horário
que apenas os mate o estritamente necessário
mas decerto de acordo com um prévio plano
tu não só me mataste como destruíste
as ruas os lugares onde cruzámos
os nossos olhos feitos para ver
não tanto as coisas como o nosso próprio ser
A cidade é a mesma e no entanto
há portas que não posso atravessar
sítios que me seria doloroso outra vez visitar
onde mais viva que antes tenho medo de encontrar-te
Morreste mais que todos os meus mortos
pois esses arrumei-os festejei-os
enquanto a ti preciso de matar-te
dentro do coração continuamente
pois prossegues de pé sobre este solo
onde um por um perigo os meus fantasmas
e tu és o maior de todos eles
não suporto que nada haja mudado
que nem sequer o mais elementar dos rituais
pelo menos marcasse em tua vida o antes e o depois
forma rudimentar de morte e afinal morte
que por não teres morrido muito mais tenhas morrido
Se todos os demais morreram de uma morte de que vivo
tu matas-me não só rua por rua
nalguma qualquer esquina a qualquer hora
como coisa por coisa dessas coisas que subsistem
vivas mais que na vida vivas na imaginação
onde só afinal as coisas são
Ninguém morreu assim como morreste
pois se houvesse morrido tudo estava resolvido
Os outros estão mortos porque o estão
Só tu morreste tanto que não tens ressurreição
pois vives tanto em mim como em qualquer lugar
onde antes te encontrava e te possa encontrar
e ver-te vir como quem voa ao caminhar
Todos eram mortais e tu morreste e vives sempre mais


Ruy Belo

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Crónica publicada hoje, dia 12 de janeiro de 2017, no Jornal Barlavento

Da minha janela vê-se o Algarve


A um amigo

Deixa-me dizer-te que me é muito difícil dizer-te morto quando estás tão vivo em mim. Já sabia que assim seria, mas confirmo agora que as pessoas que amamos continuam a viver em nós, são parte de nós, e tu fazes sem dúvida parte de mim. Continuas a caminhar ao meu lado, alto e magro, o cabelo despenteado, o andar desconjuntado, o riso solto e os olhos e os ouvidos muito abertos.

Não era tão próximo de ti quanto outros, não fizemos muitas coisas juntos, mas poderia alguém que te conhecesse não se sentir próximo de ti? Eras um ser humano completo, contraditório e complexo, e é assim que vives em mim. Os paradoxos e os sonhos nunca foram estranhos para nós.

Quando soube como tinhas morrido, senti ao mesmo tempo a intensa dor da tua morte e o obnóxio alívio de que a decisão tivesse sido tua. Outros amigos se me morreram como tu, não foste o primeiro, e todos estão ainda vivos em mim. Não quero explicar nem justificar a tua morte, tudo isso seria literatura e tu és real e é assim que eu quero que continues. Sei que esta frase espúria te faria rir e apetece-me ouvir a tua gargalhada.

Escrever é a minha forma de estar em silêncio, a minha forma de alcançar alguma serenidade que agora não estou já a conseguir manter. Deixa-me assim, querido amigo, que não fale muito muito mais e deixe o mais importante por dizer, que o mais importante é sempre o que não conseguimos dizer.

Quanto maior é a intensidade com que vivemos maior é o controlo que necessitamos e menor é o controlo que temos. Desculpa-me, meu querido, se não te escrevo um obituário; só o faria se acreditasse que no final tu ressuscitarias.

Escrevo-te. Telefono-te. Nunca respondes. Sei que estás morto, mas a morte não é desculpa.

Era vez um homem que já não amava aquela sua forma de existência. Ele queria ser flor, ele queria ser árvore, pássaro, até pedra ele queria ser; tudo menos ser homem, que para ser homem nunca basta ser homem, é sempre preciso ser mais alguma coisa, nunca basta afinal e tão só ser. Era assim que ele era e talvez por isso tenha deixado de ser.


Até à próxima, querido Rui!



Fotografia de Bruno Filipe Pires

Cruzeiro Seixas

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