Em Portugal, nada se cria, nada
se perde, tudo fica na mesma.
Um livro é escrito e depois é publicado;
são dois momentos diferentes, um privado e outro público, e assim devem ser
entendidos. Se me perguntassem o que se deve exigir de um livro, diria que, num
primeiro momento, ele deve ser escrito por necessidade, o que pode não ser
suficiente mas é sem dúvida condição necessária para um bom livro. Um livro que
não se escreve por necessidade muito dificilmente será um livro necessário. Num
segundo momento, o da publicação, diria que esse livro deve ser capaz de
mostrar algo de novo ao leitor porque, nas palavras do escritor Arturo
Perez-Reverte, “Um livro que não muda o olhar do leitor é uma merda de livro. E
o mundo está cheio de merdas de livros que não mudam nada. São apenas fruto da
vaidade onanista de autores que não têm nada para dizer."
Assim, tomemos por hipótese que
um livro foi escrito e publicado, um livro escrito por necessidade que oferece
ao leitor uma nova forma de ver o mundo. Mas será tal condição suficiente para
que seja lido? Se o livro está escrito pode ser lido, pelo menos pelos leitores
da mesma língua, porém é preciso que saibam que foi escrito e que esteja à
disposição do leitor, e essa é sem dúvida outra história. Muitas razões poderiam
ser invocadas, mas gostaria de salientar uma, que me parece bem portuguesa e
que o filósofo José Gil bem apontava no seu livro “Portugal, Hoje – O Medo de
Existir”, e a que chama “não inscrição”. Nas palavras de José Gil, “Pode-se
continuar como se nada se tivesse passado. Os acontecimentos não se inscrevem
em nós, nem nas nossas vidas, nem nós nos inscrevemos na História. Por isso, em
Portugal nada acontece.”
Brincando muito a sério com esta
situação, adaptei em tempos a lei de Lavoisier à realidade portuguesa,
transformando a conhecida fórmula “Na natureza, nada se cria, nada se perde,
tudo se transforma” no meu próprio lamento doloroso “Em Portugal, nada se cria,
nada se perde, tudo fica na mesma.” Porque o que acontece em Portugal, e
voltemos aos livros e à literatura, é que as obras literárias não se discutem
verdadeiramente, nem mesmo nos meios literários. Por isso um livro é escrito,
publicado e nada acontece. Pelo menos na maior parte das vezes.
Quando falo em discutir um livro,
falo em entrar em diálogo com esse livro, questioná-lo, afirmá-lo ou negá-lo, e
não apenas soltar um lacónico “gostei” ou “não gostei”. Porque em Portugal
normalmente critica-se mas não se discute, apenas se louva ou se denigre, quase
sempre de forma lacónica. Espero caro leitor, não ter caído também eu nesse
erro, porque, como diria um velho amigo, não sou pessimista nem optimista,
antes pelo contrário.
De referir que os excertos
citados foram retirados de entrevistas realizadas pelo jornalista Paulo Moura,
que podem ser encontradas com facilidade na internet.