terça-feira, 30 de dezembro de 2014

[...]


A verdade do poema

não sejas arrogante:
o mundo não existe
só porque tu existes

não te finjas modesto:
o mundo manifesta-se
só em ti e para ti

não temas a verdade:
o mundo que em ti se diz
só tu podes dizê-lo

não digas demasiado:
deixa que o poema
se diga e te diga


[Gosto de poemas de inspiração filosófica, poemas que se interrogam, poemas que nos interrogam e interrogam o mundo. Gosto mais de perguntas do que de respostas.]





quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Mudar

Fiquei interessado neste conceito do Change It, pessoas a trocarem experiências para a mudança. Participei em Faro em várias iniciativas próximas, desde os jantares de A Venda Convida (em que desconhecidos se juntam para jantar mediante inscrição prévia) passando pelas tertúlias Poesia & Companhia e terminando também em jantares temáticos À Mesa Com (em que jantar é realizado em casa de um dos participantes, escolhidos ao acaso. Vou ficar a pensar.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

SER poesia

Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas—a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra coisa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.

Alberto Caeiro



Para ser grande, sê inteiro: nada
        Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
        No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
        Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis


REGRESSO AO LAR
Há quanto tempo não escrevo um soneto
Mas não importa: escrevo este agora.
Sonetos são infância e, nesta hora.
A minha infância é só um ponto preto
Que num imóbiI e fútil trajecto
Do comboio que sou me deita fora
E o soneto é como alguém que mora
Há dois dias em tudo que projecto.
Graças a Deus, ainda sei que há
Quatorze linhas a cumprir iguais
Para a gente saber onde é que está...
Mas onde a gente está, ou eu, não sei...
Não quero saber mais de nada mais
E berdamerda para o que saberei.

Álvaro de Campos

XIV

Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior.

Olho e comovo-me,
Comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado,
E a minha poesia é natural como o levantar-se o vento...

Alberto Caeiro




ser poema

[ há poemas que se escrevem de uma vez só, com aparente facilidade, necessitando depois apenas de pequenos acertos; e há outros que escrevo e rescrevo com esforço até que finalmente se escrevam. Normalmente duvido bastante dos segundos. o poema seguinte pertence a essa última categoria.]

descubro no mundo à minha volta
tanta infelicidade
que me interrogo se alguma vez
poderei ser feliz

encontro em mim tantas formas
de ser infeliz
que me interrogo se alguma vez
conseguirei ser feliz

e enquanto assim me interrogo
acontece-me intensamente ser
se feliz ou infeliz
isso pouco importa

escrever um poema
qualquer que ele seja
é sempre interrogarmo-nos
sobre o que é a poesia

interrogo-me sobre a felicidade
espero desespero quase enlouqueço
e talvez essa seja a minha forma
de ser feliz aqui e agora

o momento certo é sempre
o momento que escolhemos
o poema que não escrevemos
nunca chegará a ser

sábado, 6 de dezembro de 2014

Monólogo

querias escrever um poema
que fosse todo ele 
silêncio

mas os poemas 
são feitos de palavras
e as palavras falam e gritam
mesmo quando repousam
no branco da folha

querias dizer-te em silêncio
mas não consegues calar-te
e se não te calas
como conseguirás
ouvir-te?

os poemas que escreves
serão sempre o silêncio
que não consegues
calar em ti

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014


solidão



sento-me à mesa onde ninguém está
e digo o que tenho para dizer como
se falasse para uma multidão atenta

possuo o estranho mas eficaz hábito
de preferir falar a ser escutado

avanço sempre como um navio que 
tarda a chegar ao seu destino.


Cruzeiro Seixas

 Ouvir.