quarta-feira, 13 de agosto de 2014

HISTÓRIA DO ELEFANTE QUE SE TORNOU ELEGANTE


Desde muito novo que o alcunharam de Elefante, e o epíteto colou-se-lhe de tal forma que muitos anos depois só por esse nome era conhecido. E não é que alguma vez ele tivesse sido obeso – tinha uma constituição normal – ou andasse habitualmente de trombas – era mesmo uma pessoa bem disposta que ostentava invariavelmente um sorriso franco; o que lhe valeu a alcunha, se querem saber, foi o seu andar desajeitado e arrastado que ainda hoje o caracteriza e de que nunca se conseguiu livrar, por mais que tentasse.
Apesar de ser uma pessoa simples, ou talvez por causa disso, a verdade é que tal facto sempre o incomodou e chegou mesmo a um ponto em que ele pensou que não aguentava mais. Estava farto de ser Elegante. Que coisa. Estava mesmo farto!
Ponderou até exigir que deixassem de o tratar por Elefante, ou apenas pedir-lhes que o chamassem pelo seu nome, mas era muito tímido e evitava sempre qualquer tipo de confronto, além de que ninguém lhe chamava Elefante com desdém ou ironia, tinha apenas se tornado o seu nome. E além disso, verdade seja dita, ainda que lhe custasse admiti-lo, ele não gostava muito do seu verdadeiro nome.
Então, um certo dia, teve uma ideia! Quando lhe chamavam Elefante, “Bom dia Elefante?”, “Olá Elefante”, “Como vai a vida, Elefante’”, ele passou a responder, “Elegante, claro que sim, elegante!” Afinal era apenas uma letra de diferença, mas fazia toda a diferença, se assim se pode dizer. Elefante. Elegante!
E pouco tempo depois, acreditem ou não, já todos só o conheciam por Elegante, e ele sorria, como sempre sorrira, é verdade, mas sentia-se agora muito melhor.

E esta foi a história do elefante que se tornou elegante.


imagem aqui

domingo, 10 de agosto de 2014

AUTO - RETRATO


 
Eu podia

ter escrito uma história ou um poema sobre

como me senti esta manhã na alameda

a menina que os pombos seguiam

em alvoroço

os gritos estridentes dos pavões

invisíveis

a casuarina que me foi apresentada

com pompa e circunstância

e que nunca falou

 

Eu podia eu podia

e fosse uma história ou um poema

tudo o que já disse também lá estaria

quase com as mesmas palavras

se em prosa e em verso

pouco importaria

 

Eu podia eu podia eu podia

e foi isso que fiz

na minha solidão

senti-me feliz

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

QUOD ERAT DEMONSTRANDUM


 Os poetas falam todos dos mesmos temas
e usam todos as mesmas palavras,
mais coisa menos coisa, é certo,
mas, no geral, é mesmo assim,
e nunca doutra maneira.
Logo, o mais natural seria que dissessem
todos as mesmas coisas, mas,
e isto é facto que não carece de comprovação,
de tão óbvio,
os leitores lêem e, sobretudo, ouvem
sempre diferentes coisas nos mesmos poemas.
Podemos então concluir, sem mais,
que o enunciado já vai longo,
que muito mais importante do que aquilo
que os poetas dizem é aquilo
que os poetas deixam para o leitor

dizer.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

O HOMEM QUE ESCREVIA

Escrevia e escrevia e escrevia, se prosa ou poesia, ele não sabia. Escrevia e escrevia e escrevia, e isso era tudo o que ele fazia. Um certo dia deixou de escrever, foi um pouco antes de vir a falecer. Mas não pensem que se fechou a porta, agora escreve numa língua morta.

Cruzeiro Seixas

 Ouvir.