A microficção tem sido muito utilizada nos cursos de criação literária partindo do princípio equivocado de que elas sejam mais fáceis, de que elas sejam um bom caminho para começar. Eu acho que elas são mais um ponto de chegada porque é muito mais difícil que fazer um conto comprido.
Marina Colasanti
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Semelhança
I
Vivia dizendo que eu parecia uma pantera.
Que o andar, que os olhos. Eu
Deitava a cabeça no seu ombro e miava baixinho
II
Vivia dizendo que eu parecia uma pantera.
Que o andar, que os olhos. E
eu me apanterava toda para agradá-lo
III
Vivia dizendo. Mas só acreditei no dia
em que, saltando do armário,
cravei-lhe os dentes na carne e o devorei
(Marina Colasanti, Zooilógico: 58)
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Rêmulo e Ramo
Dei de mamar aos lobinhos porque tinham ficado sem mãe. Os dentes feriam os seios, as unhas lanhavam, mas a língua lambia o leite que escorria, e o pelo era suave.
Criei os dois. Com a idade ganharam carne crua. E um ar esquivo. Rosnavam entre si disputando meu afeto.
Quando cheguei em casa e encontrei um deles estirado, soube quem o tinha morto.
Então despi o casaco e ofereci o seio ao vencedor.
(Marina Colasanti, Zooilógico:137)
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Sexta-feira
Sexta-feira à noite
Os homens acariciam o clítoris das esposas
Com dedos molhado de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
Contam dinheiro, papéis, documentos
E folheiam nas revistas
A vida dos seus ídolos.
Sexta-feira à noite
Os homens penetram suas esposas
Com tédio e pénis.
O mesmo tédio com que todos os dias
Enfiam o carro na garagem
O dedo no nariz
E metem a mão no bolso
Para coçar o saco.
Sexta-feira à noite
Os homens ressonam de borco
Enquanto as mulheres no escuro
Encaram seu destino
E sonham com o príncipe encantado.
Marina Colasanti