quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Da minha janela vê-se o Algarve (Barlavento - 27/10/2016)

Leia e ganhe prémios!

O prémio Nobel da literatura foi este ano atribuído a Bob Dylan. Alguns concordam, outros discordam. Não vou discutir se o prémio foi merecido ou não, não vou discutir se o prémio foi ou não bem atribuído, mas quero deixar claro que são duas coisas diferentes.
Um prémio, qualquer prémio, é sempre o reconhecimento do premiado e também o reconhecimento da área em que se distingue. Quero dizer com isto que um prémio literário, qualquer prémio literário, e o Nobel, por mais importância que se lhe conceda, é um entre muitos, aponta em primeiro lugar para a literatura, para o seu valor, dando-lhe destaque, e só depois para o premiado.
Gosto de pensar que estes prémios, ao afirmarem a literatura e os seus autores, são um convite à leitura, não só para os leitores habituais mas também para aqueles que habitualmente não leem. E é claro que ao distinguir um autor, quer seja um dos seus livros ou a sua obra, se está a sugerir a sua leitura e, o Nobel é exemplo disso, como facilmente se pode constatar nos escaparates das livrarias e demais postos de vendas depois da sua atribuição.
O que me causa alguma confusão é que os prémios literários, e o Nobel é exemplo, muitas vezes chamem mais a atenção para o autor do que para a sua obra, que muitos desconhecem e continuarão a desconhecer. O que me causa alguma confusão é que alguns prémios chamem mais a atenção para si mesmos do que para o premiado. Mas o que me causa mesmo confusão é que o interesse pela literatura, e não esta, esteja pela hora da morte, desculpem-me a expressão vulgar.
É claro que os prémios são importantes, sem dúvida, mas gostaria de pensar que o mais importante é a literatura e o prémio que pode ser a sua leitura para qualquer pessoa que a encontre, atraída ou não por prémios literários. Confesso que eu próprio às vezes me interrogo quanto ao valor da literatura, mas não é menos verdade que continuo a ler, se escritores e obras premiadas ou não, tanto me faz, desde que me permita viver e sonhar. Mas se os prémios não são tudo, ignora-los também não me parece a melhor atitude, porque ignorar os prémios literários é, no fundo, ignorar a própria literatura.
Fernando Esteves Pinto ganhou este ano o prémio literário Cidade de Almada, na categoria de romance, e Carlos Campaniço ganhou o mesmo prémio em 2012. É um prémio importante e com prestígio no panorama literário nacional. Aponta para a literatura nacional e para os seus autores.
Assim, a minha sugestão é que se deixe tentar, caro leitor. “O que não mata, engorda”, diz o povo, por isso procure os livros destes dois escritores e leia-os. Pode compra-los, trazê-los da biblioteca ou pedi-los a um amigo, pouco importa! E depois diga-me coisas.

PS- Pouca importância tem, caro leitor, mas ambos os escritores residem no Algarve. 



segunda-feira, 24 de outubro de 2016

POUCO A POUCO

Queria dizer o mar
o vento
o mistério íntimo
da criação das ondas

mas o mar
o vento
as ondas
não se dizem com palavras

por isso me calo
pouco a pouco
e deixo que o silêncio
se instale


domingo, 23 de outubro de 2016

PERSEVERANÇA

Toda a sua vida perseverou, mas nunca alcançou o sucesso. Depois de morto alcançou finalmente o sucesso, mas não deixou de perseverar. Perseverar estava na sua natureza.


sexta-feira, 21 de outubro de 2016

EU/YO

Em mim existem
sempre
dois lados
que se afirmam
e se negam.
E com tal intensidade
o fazem
que muitas vezes
acredito ser eu
apenas o
vazio que
os separa.

Em mí existem
siempre
dos lados
que se afirman
y se niegan.
Y con tal intensidad
lo hacen
que muchas veces
creo ser yo
sólo el
vacío que
los separa.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

AVE 11



QUE SE FODA A MELANCOLIA

Não escolhi a vida nem a escrita,
foram elas que me escolheram.

Escrevo tal qual vivo,
nem outra coisa poderia fazer.

Outra coisa seria não viver,
outra coisa seria não escrever.

Não! Não escrevo por obrigação
Nada disso!

Sou paciente e submisso,
repetitivo e determinado.

Espero pela morte
no silêncio tumultuoso
da escrita.

Vivo nas entrelinhas.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

NOVE ANOS DEPOIS

(...)

Deixou de escrever quando sentiu que estava quase a enlouquecer. Nove anos depois enlouquecera de vez.

a

Era uma vez um tolo que queria ser escritor. Nove anos depois era finalmente escritor e um tolo ainda maior.

a

Nove anos depois de ter publicado o seu primeiro livro, o escritor morreu, mas o homem ainda lhe sobreviveu alguns anos. Poucos.

a

Nove anos depois de morrer foi finalmente reconhecido por todos como um grande escritor. Ficou tão perturbado que se matou outra vez. As vendas dos seus livros aumentaram exponencialmente.

a

Olhou a folha em branco e decidiu escrever um livro feliz, imensamente feliz. Nove anos depois a folha ainda estava em branco.

a


            Nove anos depois, deixou de escrever. Definitivamente. Pela milésima vez.

sábado, 8 de outubro de 2016

MENSAGEM NUMA GARRAFA

Acho que posso dizer que escrever é comunicar. Ainda que se possa também dizer que não existe um destinatário para o que um autor escreve, pois não se escreve para esta ou aquela pessoa ou grupos de pessoas em concreto, os poemas, os contos, os romances, toda a produção literária pede, exige, um leitor. É claro que o autor controla a sua produção literária e nem tudo o que escreve chegará ao leitor, pelo menos enquanto estiver vivo. O facto de muito do que o autor escreve terminar no lixo, talvez reforce a ideia de que escreve para um leitor, daí o cuidado com o que a ele chegará. Escrever e publicar são dois momentos diferentes e duas preocupações diferentes. O autor preocupar-se-á sempre com o que publica, a quantidade do que publica e a frequência com que publica. Publicar, tal como escrever, é uma decisão sua, variando a necessidade de autor para autor e consoante as suas oportunidades, pois publicar é também decisão dos editores, ressalvada as oportunidades que o autor tem de se editar em livro ou apenas dar a conhecer o seu trabalho em publicações diversas ou através de meios digitais próprios como os blogues e, como estou a escrever num, era natural que aqui chegasse quando falo de escrever e de comunicar. Se escrever é comunicar, o processo só estará completo com a leitura e, para tanto, é necessário que exista, pelo menos a possibilidade, ainda que improvável, de leitura. Ou seja, publicar não é condição suficiente para ser lido, mas é sem dúvida condição necessária. Tudo isto vem a propósito e antecede a publicação de um fragmento de um livro que tenho terminado e preparado para (eventual) publicação e que bem poderia dar a conhecer por inteiro aqui. Publica-se para se dar a conhecer o que se escreveu e é natural que o autor se interrogue se o que escreveu tem qualidade, caso responda negativamente não publicará, e se alguém a lerá, resposta que na verdade não lhe cabe, porque a ele cabe apenas decidir se publica ou não. Se publicar, a sua mensagem, porque comecei por dizer que escrever é comunicar, está na garrafa, e só isso interessa, o mais que acontecer lhe dirá respeito mas estará mais ou menos fora do seu controlo, ainda que o autor seja cada vez mais chamado a publicitar a obra e em alguns casos a obra só se vender por o autor ser quem é, normalmente uma figura televisiva. Mas vou ao que vinha, que era afinal tão só publicar um fragmento de uma obra pronta para eventual publicação. Lerem-no ou não, bem como esta introdução, está fora do meu controlo, a mim cabe-me apenas torna-los disponíveis para leitura, mensagens numa garrafa, porque essa é a minha decisão.

***  

De O guru de algibeira, do livro inédito O que não consigo explicar posso sempre escrevê-lo, deixo um fragmento


X


Acredita em ti, acredita sempre em ti, sobretudo quanto mais duvides de ti. Acredita nessa tua capacidade de duvidar de ti, nessa tua maravilhosa capacidade que te permite ser vários sem nunca deixares de ser tu.

 
XI


Por muito que me custe aceitar, a verdade é que não tenho qualquer mestre ou, se mestre tenho, o único mestre que tenho sou eu. Mestre que nada ensina, mestre que pouco aprende, mestre ignorante que tudo sabe e tudo desconhece.

 

XII

 

Às vezes julgo entrever o mundo tal como ele de facto é, nu e sem disfarces, mas talvez o mundo seja todo ele mudança, ou talvez eu não seja suficientemente arguto para o entender, pois logo essa súbita compreensão se desvanece e esqueço o que por momentos estava certo de saber. Não entendo o mundo, é verdade, nem mesmo a mim me entendo, mas não é menos verdade que me conheço cada vez melhor, tanto quanto mais me desconheço.

Cruzeiro Seixas

 Ouvir.