sábado, 8 de outubro de 2016

MENSAGEM NUMA GARRAFA

Acho que posso dizer que escrever é comunicar. Ainda que se possa também dizer que não existe um destinatário para o que um autor escreve, pois não se escreve para esta ou aquela pessoa ou grupos de pessoas em concreto, os poemas, os contos, os romances, toda a produção literária pede, exige, um leitor. É claro que o autor controla a sua produção literária e nem tudo o que escreve chegará ao leitor, pelo menos enquanto estiver vivo. O facto de muito do que o autor escreve terminar no lixo, talvez reforce a ideia de que escreve para um leitor, daí o cuidado com o que a ele chegará. Escrever e publicar são dois momentos diferentes e duas preocupações diferentes. O autor preocupar-se-á sempre com o que publica, a quantidade do que publica e a frequência com que publica. Publicar, tal como escrever, é uma decisão sua, variando a necessidade de autor para autor e consoante as suas oportunidades, pois publicar é também decisão dos editores, ressalvada as oportunidades que o autor tem de se editar em livro ou apenas dar a conhecer o seu trabalho em publicações diversas ou através de meios digitais próprios como os blogues e, como estou a escrever num, era natural que aqui chegasse quando falo de escrever e de comunicar. Se escrever é comunicar, o processo só estará completo com a leitura e, para tanto, é necessário que exista, pelo menos a possibilidade, ainda que improvável, de leitura. Ou seja, publicar não é condição suficiente para ser lido, mas é sem dúvida condição necessária. Tudo isto vem a propósito e antecede a publicação de um fragmento de um livro que tenho terminado e preparado para (eventual) publicação e que bem poderia dar a conhecer por inteiro aqui. Publica-se para se dar a conhecer o que se escreveu e é natural que o autor se interrogue se o que escreveu tem qualidade, caso responda negativamente não publicará, e se alguém a lerá, resposta que na verdade não lhe cabe, porque a ele cabe apenas decidir se publica ou não. Se publicar, a sua mensagem, porque comecei por dizer que escrever é comunicar, está na garrafa, e só isso interessa, o mais que acontecer lhe dirá respeito mas estará mais ou menos fora do seu controlo, ainda que o autor seja cada vez mais chamado a publicitar a obra e em alguns casos a obra só se vender por o autor ser quem é, normalmente uma figura televisiva. Mas vou ao que vinha, que era afinal tão só publicar um fragmento de uma obra pronta para eventual publicação. Lerem-no ou não, bem como esta introdução, está fora do meu controlo, a mim cabe-me apenas torna-los disponíveis para leitura, mensagens numa garrafa, porque essa é a minha decisão.

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De O guru de algibeira, do livro inédito O que não consigo explicar posso sempre escrevê-lo, deixo um fragmento


X


Acredita em ti, acredita sempre em ti, sobretudo quanto mais duvides de ti. Acredita nessa tua capacidade de duvidar de ti, nessa tua maravilhosa capacidade que te permite ser vários sem nunca deixares de ser tu.

 
XI


Por muito que me custe aceitar, a verdade é que não tenho qualquer mestre ou, se mestre tenho, o único mestre que tenho sou eu. Mestre que nada ensina, mestre que pouco aprende, mestre ignorante que tudo sabe e tudo desconhece.

 

XII

 

Às vezes julgo entrever o mundo tal como ele de facto é, nu e sem disfarces, mas talvez o mundo seja todo ele mudança, ou talvez eu não seja suficientemente arguto para o entender, pois logo essa súbita compreensão se desvanece e esqueço o que por momentos estava certo de saber. Não entendo o mundo, é verdade, nem mesmo a mim me entendo, mas não é menos verdade que me conheço cada vez melhor, tanto quanto mais me desconheço.

Cruzeiro Seixas

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