quarta-feira, 17 de abril de 2013

[Pode ser um conto pequeno ou o princípio de outro maior, não sei]

ESPELHO MEU


Olhou para o alto da velha árvore descarnada que se erguia gigantesca contra um céu cinzento, e viu-se a si mesmo a olhar para baixo na sua direcção. Ficou perturbado e perplexo, o homem que o olhava de cima era um perfeito reflexo de si próprio, quer nas suas características físicas quer no seu vestuário. Até o ridículo chapéu alto que ostentava era o mesmo. E o homem sentado na árvore parecia também espelhar a mesma perturbação e perplexidade que ele sentia. Será que estava a pensar o mesmo que ele? Dirigiu-lhe a palavra, quebrando o silêncio, “Olá, como está?”, e a frase soou ao mesmo tempo na boca do homem sentado no alto da árvore. E de novo as mesmas emoções se espelharam no rosto de ambos. Rodeou o enorme tronco, procurando forma de subir a árvore e, quando a julgou ter encontrado, elevou-se, não sem dificuldade, até ao lugar onde o outro homem se encontrava. Para sua surpresa não estava ali ninguém. Sentou-se, olhou para baixo, e viu-se a si mesmo a olhar para cima na sua direcção, como num labiríntico desenho de Escher.



fotografia de Rodney Smith

Cruzeiro Seixas

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