O PORTUGUÊS SEM FILTRO
Luís Ene
“Minha pátria é a língua portuguesa”
Fernando Pessoa
“Portugal: questão que tenho sempre
comigo mesmo”
Alexandre O’Neill
Canto I
“Esta é a ditosa Pátria minha amada”
Luis de Camões
è
O que mais distingue os portugueses é a sua quase
obsessiva necessidade de imitar os outros.
Um português nunca está bem ou mal, está sempre assim-assim.
Ou então mais ou menos.
Escusado será dizer que o português adora a língua,
mais a de vaca do que a de porco, sobretudo quando estufada, com ervilhas.
Não ter cão e caçar com gato, é ser esperto; ter cão
e caçar com gato é ser português.
O português é um ser paradoxal, vive acima das suas
possibilidades e abaixo de cão.
O português é o primeiro a classificar a sua condição
como boa. Uma boa merda, se quisermos ser exactos.
O português odeia a corrupção. Odeia-a com a mesma
intensidade com que inveja os corruptos.
O Homem está entre a besta e o arcanjo, o português
está entre a besta e o marmanjo.
Os portugueses não existem, os portugueses são. Ou
talvez se limitem a ser.
Os portugueses nascem curvados sob o peso da história
e da vergonha. E é certo e sabido que quem nasce torto, tarde ou nunca se
endireita.
Os portugueses são pessimistas e taciturnos.
Pessimistas a tempo inteiro, mas taciturnos só por turnos.
Os portugueses têm de ser pobres. Que não se tenha
quaisquer dúvidas sobre isso! De que outra forma poderiam alguns estar cada vez
mais ricos?
Os portugueses são tristes, tão tristes que os
sorrisos têm sempre de se submeter a rigorosos testes de selecção.
Não é verdade que os portugueses sejam todos eles uma
grande seca. Pelo menos 30% são seca extrema.
Se existisse um super-herói português estou certo que
diria que com um grande poder vem sempre uma grande irresponsabilidade.
É certo e sabido que os portugueses amam os seus
semelhantes. Por isso é que idolatram e escolhem para seus chefes homens sem
qualidades, que acreditam acima de tudo na falta de qualidades dos portugueses.
Apesar do aumento crescente das desigualdades em
Portugal os portugueses continuam cada vez mais iguais: nenhum quer ser
diferente.
Os portugueses preocupam-se muito com quem são e com
quem não são, quando melhor seria que se preocupassem com o que querem ser; ou
então que não se preocupassem de um todo e se limitassem, apenas, activamente,
a ser.
Os portugueses não discriminam, falam igualmente mal
de uns e de outros.
Os portugueses invejam quem foram e lamentam quem
são. A manterem-se assim, grande coisa nunca serão.
Os portugueses têm de mudar. Têm de deixar de ser
portugueses.