quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

humor negro

Na última terça-feira li dois textos de Marina Colasanti no Draculea e senti que mexeram bastante com os ouvintes. Deixo aqui mais um texto seu e dois de Ana Maria Shua, para ali ler numa próxima terça-feira.


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301

Do poleiro ele não fugiria. Garantiam sua permanência a argola de ferro no pé e a ponta da asa cortada. Sem ele, que solidão insuportável seria sua vida. Sim, era outra mulher. Lavava, passava, cantava na cozinha e crescia plantas.Longe estavam os dias de choro e desespero. Distante aquela tarde em que, o formicida pronto na cozinha, a campainha tocara interrompendo o gesto.

E da porta, louro e alado, o adolescente lhe dissera:

- Não chora, vim lhe ajudar. Sou seu anjo da Guarda.


( Marina Colasanti, A morada do Ser)

*

Yo todo lo consulto com la almohada porque la sé de buen juicio. Ella me escucha en silencio y me responde con sensatez. En la conversación interviene la frazada. Al final, siempre le hago caso al colchón, que es un

irresponsable.

(Ana Maria Shua, La Sueñera)


Consulto sempre a almofada porque sei que ela é boa conselheira. Escuta-me em silêncio e responde-me com sensatez. O cobertor mete-se na conversa. No final, dou sempre razão ao colchão, que é um irresponsável.

(mudada por mim)


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Un hombre sueña que ama a una mujer. La mujer huye. El hombre envía en su persecución los perros de su deseo. La mujer cruza un puente sobre un río, atraviesa un muro, se eleva sobre una montaña. Los perros atraviesan el río a nado, saltan el muro y al pie de la montaña se detienen jadeando. El hombre sabe, en su sueño, que jamás en su sueño podrá alcanzarla. Cuando despierta, la mujer está a su lado y el hombre descubre, decepcionado, que ya es suya. (Ana Maria Shua, La Sueñera)


Um homem sonha que ama uma mulher. A mulher foge. O homem envia em sua perseguição os cães do seu desejo. A mulher atravessa uma ponte sobre um rio, passa para lá de um muro, ergue-se ao cimo de uma montanha. Os cães atravessam o rio a nado, saltam o muro e no sopé da montanha detêm-se arfando. O homem sabe, no seu sonho, que nunca no seu sonho a conseguirá alcançar. Quando acorda, a mulher está a seu lado e o homem descobre, decepcionado, que ela já é sua.

(mudada por mim)

Cruzeiro Seixas

 Ouvir.