quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A PERDA DO DEDO MÍNIMO VI


[RIR DE SI PRÓPRIO]


Por esses dias, a primeira coisa que fazia quando acordava, era olhar a mão direita, para ver se tinha ou não tinha o dedo mínimo, e só então esfregava os olhos com dois dedos, como era seu hábito logo que acordava, e quando esfregava os olhos nenhuma diferença sentia afinal, mas o dedo mínimo continuava a faltar-lhe e não havia maneira de ele se esquecer dele de uma vez por todas.

“Nunca dei muita atenção ao dedo mínimo, porque há se ser diferente agora?”

Às vezes quase lhe apetecia que lhe desaparecesse a mão toda, para deixar de se preocupar com o dedo, mas depois ria-se e dizia a si mesmo que mais valia ir o braço todo, e ria-se ainda mais.

Há pessoas que se riem de si próprias e outras que nunca se riem de si próprias. Ele ria-se de si próprio, mas esse riso aproximava-se normalmente demasiado da tristeza para que ele pudesse ser incluído sem mais no primeiro grupo. No entanto, seja como for, ele ria-se de si próprio. E ria-se também dos outros, sobretudo quando se descobria neles. A perda do dedo mínimo não modificara de forma significativa o seu carácter, da mesma forma que não parecia ter trazido alterações de relevo no seu comportamento.



Cruzeiro Seixas

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