segunda-feira, 13 de setembro de 2010

não representar a palavra

Não resisto a transcrever quase por inteiro a entrada que encontrei através daqui. É que não podia estar mais de acordo com o Leonard Cohen e, ainda que aqui e ali tenha pisado a linha a dizer poesia (e contos também), sempre defendi que não se devia representar a palavra, o que sempre levantou muitas criticas negativas...




“Tome a palavra borboleta. Para usar essa palavra não é necessário fazer a voz pesar menos do que uma onça ou equipá-la com pequenas asas empoeiradas. Não é necessário inventar um dia ensolarado ou um campo de narcisos. Não é necessário estar amando, ou estar apaixonado por borboletas. A palavra borboleta não é uma borboleta real. Há a palavra e a borboleta. Se você confunde esses dois itens as pessoas têm o direito de rir de você. Não faça muito da palavra. Você está tentando sugerir que você ama borboletas mais perfeitamente que qualquer outro, ou realmente entende sua natureza? A palavra borboleta é apenas dado. Não é uma oportunidade pra você pairar, planar, fazer amizade com flores, simbolizar beleza e fragilidade, ou de qualquer forma personificar uma borboleta. Não represente palavras. Nunca represente palavras. Nunca tente sair do solo quando você fala sobre voar. Nunca feche seus olhos e puxe rapidamente sua cabeça para um lado quando você fala de morte. Não fixe seus olhos flamejantes em mim quando você fala de amor. Se você quer me impressionar quando você fala de amor ponha sua mão no bolso ou embaixo de seu vestido e brinque com você mesma. Se a ambição e a fome por aplausos tem te guiado a falar sobre amor você deveria aprender como fazer isso sem desonrar você mesma ou o material.
Qual é a expressão que a nossa era demanda? A era não demanda expressão de qualquer forma. Nós temos visto fotografias de mães asiáticas de luto. Nós não estamos interessados na agonia de seus órgãos descuidados. Não há nada que você possa mostrar em sua face que possa se comparar ao o horror deste tempo. Nem mesmo tente. Você vai apenas se conservar no desprezo daqueles que sentem as coisas profundamente. Nós temos visto reportagens de humanos em extremos de dor e deslocamento. Todo mundo sabe que você está comendo bem e está mesmo sendo pago para ficar aí de pé. Você está brincando com pessoas que experimentaram uma catástrofe. Isso deveria te deixar muito quieto.
Fale as palavras, expresse os dados, um passo pro lado. Todo mundo sabe que você está sofrendo. Você não pode contar à audiência tudo que você sabe sobre amor em cada linha de sua fala. Dê um passo pro lado e eles saberão o que você sabe porque eles já sabem mesmo. Você não tem nada a ensiná-los. Você não é mais bonito do que eles são. Você não é mais sábio. Não grite com eles. Não force uma entrada a seco. Isso é sexo ruim. Se você mostrar as linhas de sua genital, então entregue o que prometeu.
E lembre-se que a maioria das pessoas não querem realmente um acróbata na cama. Qual é a nossa necessidade? Estar perto do homem natural, estar perto da mulher natural. Não finja que você é um cantor adorado com uma vasta e leal audiência que seguiu os altos e baixos de sua vida até este último momento. As bombas, os lança-chamas, e toda aquela merda que destruíu mais do que árvores e vilas. Eles também destruíram o palco. Você pensou que sua profissão escaparia à destruição geral? Não há mais palco. Não há mais luzes da ribalta. Você está entre as pessoas. Então seja modesto. Fale as palavras, expresse os dados, passo pro lado. Fique sozinho. Fique no seu quarto. Não se coloque.
Esta é uma paisagem interior. É dentro. É privado. Respeite a privacidade do material. Estes pedaços foram escritos em silêncio. A coragem do jogo é falá-los. A disciplina do jogo é não violá-los. Deixe a audiência sentir seu amor pela privacidade mesmo que não haja privacidade. Seja uma boa puta. O poema não é um slogan. Não pode fazer propaganda de você. Não pode promover sua reputação de sensibilidade. Você não é um garanhão. Você não é um matador. Todo esse lixo sobre gangsters do amor. Você é um estudante da disciplina. Não represente as palavras. As palavras morrem quando você as representa, elas murcham, e somos deixados sem nada a não ser com sua ambição.
Fale as palavras com a exata precisão com a qual você checaria uma lista da lavanderia. Não se torne emotivo sobre a renda da blusa. Não fique de pau duro quando você diz calcinhas. Não fique cheio de calafrios por causa da toalha. Os lençóis não deveriam provocar uma expressão sonhadora sobre os olhos. Não há necessidade de chorar no lenço. As meias estão lá não para te lembrar de estranhas e distantes viagens. É apenas a tua lavanderia. São apenas suas roupas. Não fique espiando através delas. Apenas as use.
O poema não é nada mais do que informação. É a Constituição de um país interno. Se você o declama e o explode com suas nobres intenções então você não é melhor que os políticos que você despreza. Você é apenas alguém balançando uma bandeira e fazendo o apelo mais barato para um certo tipo de patriotismo emocional. Pense nas palavras como ciência, não como arte. Elas são um relatório. Você está falando diante de um encontro do Clube de Exploradores da National Geographic Society. Essas pessoas conhecem todos os riscos de se escalar montanhas. Eles te honram por tomar isso por certo. Se você enrubescer suas faces fazendo o contrário será um insulto à hospitalidade deles. Fale pra eles da altura da montanha, sobre o equipamento que você usou, seja específico sobre as superfícies e o tempo que tomou para escalá-la.. Não trabalhe com a audiência buscando arquejos e suspiros. Se você está buscando arquejos e suspiros não será de sua apreciação do evento mas da deles. Serão as estatísticas e não a voz trêmula ou o cortar do ar com suas mãos. Estará nos dados e na quieta organização de sua presença.
Evite o floreio. Não tenha medo de ser fraco. Não fique com medo de ficar cansado. Você fica bem quando está cansado. Você parece como se pudesse ir adiante pra sempre. Agora vem pros meus braços. Você é a imagem da minha beleza.”

do livro “Death of a Lady’s Man” de Leonard Cohen.

Cruzeiro Seixas

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