[o estado da literatura]
Ao fim da tarde telefonei ao TN e perguntei-lhe se ainda tinha um livro para mim. Respondeu-me que sim e mostrou vontade em se encontrar comigo, de imediato, para meu espanto, e combinámos encontro daí a dez minutos, na esplanada do Maktostas, no largo de S: Pedro.
Cheguei primeiro, mas ele chegou pouco depois. Achei-o envelhecido, se tal é possível em alguém com vinte e oito anos de idade que não via apenas há alguns meses, no entanto ele próprio confirmou essa mesma impressão um pouco mais tarde, ao referir-se a um outro poeta, de 23 anos de idade, como um poeta ainda muito jovem.
Trocámos algumas banalidades, entregou-me o livro, trocámos mais algumas banalidades, mas como queria levar a minha investigação adiante, a certa altura atalhei caminho, coloquei o gravador em cima da mesa e perguntei-lhe se não se importava que lhe colocasse algumas questões. Pareceu-me desiludido e disse qualquer coisa como “eu sabia que tinhas algum interesse oculto”, o que inexplicavelmente me entristeceu e me fez hesitar. Mas liguei o gravador.
O tom da conversa mudou de imediato e passamos a ser entrevistador e entrevistado, o que se me tornou incómodo e me levou a desligar o gravador passados meia dúzia de minutos, quando a conversa resvalou. Mais à frente liguei-o de novo, mas com o mesmo resultado.
Do pouco que ficou gravado muito pouco se aproveita, como facilmente depreendi em audições posteriores, mas o pouco pode sempre ser muito e apontar caminhos, o que me parece o caso. E depois há o que não ficou gravado e que também vou aqui chamar. Seja como for, a investigação está em curso.
Um facto já meu conhecido mas que veio à conversa por causa do último livro de TN é que uma pequena localidade como Punta Umbria tem uma colecção de poesia já com treze livros e em que estão representados dois poetas residentes em Faro. De acrescentar O TN tinha ali estado poucos dias antes a participar num clube de leitura e estava bastante satisfeito com o resultado. Compare-se com Faro, em que nada acontece e em que esses dois poetas são ignorados por quem podia ( e devia?) publicá-los e promovê-los.
Em Faro, disse TN, as pessoas estão desligadas da literatura, não se interessam, e esta é sem dúvida uma ideia de força a desenvolver nas próximas entrevistas e contactos. Por outro lado, disse ainda, que há muito mais gente a escrever em Faro: “É muito engraçado. Havia um tempo, e não foi há muito tempo, em que eu conhecia toda a gente que escrevia em Faro, e agora há muitas pessoas em Faro que escrevem e que eu não conheço.”
Continuámos a conversar, disto e daquilo, e a entrevista pouco a pouco passou para segundo plano. TN falou de si e eu falei de mim, quando a minha intenção era ouvi-lo, mas foi isso que me apeteceu fazer.
“Aquilo que eu gosto mais na escrita”, disse TN, “é escrever”, e eu concordo com ele. “Por mim”, continuou, “não fazia apresentações, não aparecia, não dizia nada, só que as coisas são assim.”, e eu volto a concordar e a conversa flui, sem propósito. Quando lhe pergunto qual o lugar que a tradução ocupa actualmente na sua actividade literária, TN responde-me com uma frase lapidar e divertida que não acaba com a conversa mas quase acaba com a entrevista: “Cada vez mais traduzo menos.”
Rimos muito e esquecemos por instantes o estado (deplorável) da literatura em Faro.