[crónica publicada hoje no jornal Barlavento]
O ALIANÇA ESTÁ MORTO! LONGA VIDA
AO ALIANÇA!
Estou no
Aliança e a porta giratória está a funcionar, o que nunca acontecia no Verão,
se a memória não me falha. O salão continua espaçoso, os painéis de madeira
continuam a ostentar fotografias de um Algarve a preto e branco, os tectos
continuam altos e com estuques perfeitos e eu continuo a sentir-me bem aqui.
Claro que há
diferenças, mas elas não me interessam agora. Estou no Aliança, repito, são
14:45 de um Domingo de Verão e tenho o Aliança quase só para mim. Escrevo à mão
um rascunho desta crónica, sobre o tampo de mármore da minha memória e sinto-me
bem neste café que, não sendo o mesmo que foi, é um café (ainda que insistam em
chamar-lhe cervejaria) como já quase não existe, como dizemos às vezes dos homens
e das mulheres a que reconhecemos valor (e às vezes exactamente o contrário).
Já não existem homens como tu, dizem-me às vezes, e eu fico a pensar se é um
elogio ou exactamente o contrário. No entanto, mudam-se os tempos e com os
tempos mudam-se (ou morrem) as tradições e os lugares. Sempre foi assim e
sempre assim será. Não tenho nada contra, no geral, e muito menos no caso do
Aliança.
O Aliança que
eu conheci está morto, já não existe, a não ser na minha memória. Levanto-me e
vou à casa de banho, que já não é onde era, e sinto a falta do corredor à
esquerda que já não existe e levava ao quiosque, ao corredor onde se jogava
xadrez e, recordo-me ainda, à sala dos bilhares. E, no entanto, o Aliança está
vivo, está mudado mas está vivo, se para melhor ou pior, sinceramente não sei,
acho que depende do ponto de vista e acho que erra quem tomar partido, assim,
sem mais nem menos, preto no branco. Confesso que se fosse a minha primeira vez
no Aliança, este local me agradaria sem sombra de dúvida, mas tenho memórias do
Aliança e tinha (e tenho) expectativas sobre este local e elas influenciam necessariamente
a minha opinião.
Logo à
partida, pela carga histórica que o café carrega, gostava de ver de alguma
forma acentuada essa característica com, por exemplo, um folheto que descrevesse
o passado do local ou um conjunto de livros e outros materiais disponíveis que
o documentassem (podiam passar no ecrã existente utilizado para televisão)
preservando/documentando esse mesmo passado. Dada a carga cultural do mesmo também
me pareceria bem a existência no lugar de lançamentos de livros, recitais,
espectáculos, mas este é apenas um ponto de vista, o meu ponto de vista, fruto
do meu passado, do meu relacionamento com o lugar e da minha visão de um futuro
presente.
Numa entrevista publicada antes
da reabertura do Aliança o responsável por este espaço, Mário Nogueira,
afirmava, parecendo concordar comigo que, entre outras coisas, “Queremos que
volte a ser um espaço popular com um bom peso na área da divulgação da poesia,
música, jazz, música popular, (no próximo ano quero charolas no Aliança). Como
dizemos no slogan, que já começámos a divulgar, queremos que seja o
Coração de Faro.”
Nestas
crónicas pretendo apenas levantar questões, expor mais dúvidas do que certezas.
Não pretendo ter razão, disso estou certo, pelo menos aquela razão que exclui
todas as outras razões.
O Aliança está morto! Longa vida
ao Aliança!
Ah, já me esquecia, a cerveja é
boa e pode pedir-se um traçado de cerveja branca e preta.