[ficam aqui os dois artigos publicados no jornal barlavento]
[publicado em 16/06/16]
Caro leitor
Fernando Cabrita, poeta que vive
em Olhão, a nove quilómetros de onde eu próprio vivo, costuma dizer que existe
uma genealogia na escrita (na verdade ele diz poesia) que leva a que na escrita
de um escritor sejam sempre acolhidos muitos outros escritores. Isto porque o
escritor escreve o que é, mas também o que lê. Assim, o que eu escrevo, o que
qualquer escritor escreve, tem sempre raízes numa literatura que lhe é anterior
e que lhe serve de estrume, porque o escritor é sempre e antes de mais um
leitor. Se chegaste até aqui, caro leitor, tem paciência e segue-me até ao
próximo parágrafo.
Ainda estás aí, leitor? Sim? Está
bem. Dá-me então mais um pouco de atenção, para que tente explicar-te porque te
considero tão importante. A língua define-nos como ser humanos, e o mesmo vale
para a arte, comum a todos nós, que é a arte de contar histórias. Eu sou
escritor, daí esta familiaridade contigo, leitor, daí a importância que te dou,
porque só em ti o que escrevo se lê e existe verdadeiramente. Um grande
escritor, Jorge Luís Borges, que cito de cor, correndo o risco de errar, disse
que as bibliotecas são cemitérios. Na verdade um livro que não é lido está
morto e só o leitor pode dar-lhe de novo vida. Daí a tua enorme importância,
leitor, daí a tua enorme responsabilidade. Permiti-me então que te convide para
um novo parágrafo.
Procuro ainda um ponto de partida
comum para estes textos, escrevo, mas na verdade já o tenho, ainda que só agora
me tenha apercebido. É assim a escrita, cheia de dúvidas e de revelações.
Escreve-se, escrevendo; e é assim que escreverei estas rubricas. Sei que o que
escreverei estará à sombra de uma verdade que é a de que da minha janela se vê
o Algarve, título e tema que afinal escolhi para estas conversas com o caro
leitor.
Qualquer mentira deve, já dizia
certeiro o poeta António Aleixo, trazer à mistura qualquer coisa de verdade. E
é o que acontece neste caso. Da janela (do meu quarto) vê-se realmente o mar,
vê-se o azul, e o Algarve é azul, disso não tenho eu dúvidas. Assim, da janela que será esta rubrica poderemos, eu
e tu, caro leitor, espero eu, ver sempre o Algarve, o Algarve em letras, porque
eu sou um escritor e estou no Algarve. Mas,
caro e paciente leitor, tal como agora me seguiste parágrafo a parágrafo; se me
quiseres continuar a ler, e ver o que escreverei, terás de me seguir até uma
próxima vez, que agora vou ficar por aqui.
Desculpa-me ter dito tão pouco, é
o que sinto, mas acredita que quanto mais eu me calar mais tu te dirás.
Até à próxima.
[publicado em 06/07/16]
Escritores Algarvios?
Resido em Faro, no
Algarve, e ainda que essa circunstância em nada influencie a minha escrita, é
muito provável que a mesma tenha mais reflexos em Faro e no Algarve do que em
qualquer outro lugar onde não resido e não intervenho. Assim, ainda que me afirme,
acima de tudo e tão só escritor, a circunstância (desejada) de viver em Faro
não é certamente de desprezar e, nesse sentido, não rejeito nem desprezo a
designação de escritor algarvio, exatamente porque aqui resido e intervenho com
mais frequência.
Não pretendo aqui, longe
de mim, discutir ou defender a existência de uma literatura algarvia ou mesmo a
sul. Outros já o fizeram muito melhor do que eu o faria! Leia-se por exemplo “A
criação literária e o Algarve, no Algarve ou do Algarve? – Reflexões sobre
literatura regional(ista), de Adriana Nogueira.
Mas aqui estou eu, em
Faro, no Algarve, e relaciono-me e agrupo-me com outros escritores e editores
que como eu aqui residem, como Fernando Esteves Pinto ou Pedro Jubilot, ambos
escritores e editores algarvios, ambos olhanenses, atrevo-me a dizer, o
primeiro por escolha e o segundo por nascimento.
Por mim, ainda que
nascido na Damaia, e algarvio apenas por circunstância e escolha, aceito e
agrada-me ser descrito como um escritor farense, como o diretor deste jornal em
que escrevo me designou, e a verdade é que aqui e ali Faro entra na minha
escrita. Deixa-me, caro leitor, que traga para aqui um texto que é exemplo disso,
retirado de um pequeno livro inédito, com o titulo genérico de “O meu café”.
“Na
cidade onde vivo é tão fácil encontrar o seu café como é fácil encontrar o meu
café, e não é que eu queira dizer com isto que na cidade onde vivo qualquer um
pode encontrar um café que seja seu.
A
verdade é que na cidade onde vivo existe um café que se chama O Seu Café, e,
embora O Seu Café não seja o meu café, ficam os dois no mesmo largo, um
opondo-se ao outro.
Assim,
posso dizer que o meu café fica no largo em questão e é aquele que não é o seu
café, não só localizando-o assim na perfeição, como fazendo-o ainda mais meu.”
Claro
que só quem conheça o café em questão sabe do que falo, mas quem não souber não
fica em nada prejudicado na sua leitura.
O
leitor que me desculpe pelo facto de me citar e também de trazer aqui a questão
(sem dúvida inócua) da existência de escritores e editores algarvios, porque
pode ou não acreditar-se nisso, mas que existem, existem, e estão por aqui, pelo
Algarve, e querem (e devem) ser levados em conta.
Até
à próxima leitor, e toma atenção aos escritores perto de ti.