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“Chamo-me Ângelo Durão e sou escritor”, disse ele, e ficou a olhar para o advogado como se isso fosse mais do que suficiente.
O advogado ficou também a olhá-lo, e o silêncio instalou-se como o pó que cobre os móveis sem quase se fazer notar. Pouco sabiam um do outro, mas sabiam o suficiente para poderem enumerar pouco a pouco o pouco que sabiam.
Além de advogado também é poeta, dizia para si mesmo Ângelo Durão, um mau poeta, facto que não o impede de publicar regularmente, tal como a noite se segue ao dia.
Ganhou um prémio importante com o seu primeiro romance, dizem que é muito bom, mas doido, conflituoso, uma espécie de enfant terrible.
Deve sem dúvida ter sensibilidade para estas questões, afinal de contas é poeta publicado, ainda que mau.
Sei mais ou menos o que me quer, não sei é se valerá a pena aceitar o caso, que com doidos nunca se sabe.
“Quer então explicar o que o traz aqui?”, disse finalmente o advogado, cruzando e descruzando as mãos sobre o colo.
“Tenho um problema”, disse Ângelo Durão, e calou-se de novo.
“Todos os que vêm ter comigo têm problemas que querem resolver. É para isso que aqui estou”, disse o advogado, encorajando-o a falar, sem deixar de cruzar e descruzar as mãos.
Ângelo Durão olhou as mãos fortes do advogado, o seu sorriso, e apeteceu-lhe ir embora. Não era assim que as coisas se iam resolver, disse para si mesmo, mas ficou.