terça-feira, 19 de outubro de 2010

Poema e Poesia

POEMA E POESIA: TENTATIVA DE DISTINÇÃO
contributo pessoal



É curial a distinção nos dias de hoje, mais do que antigamente, entre poema e poesia. Costumo distinguir estas duas realidades tomando a análise dos versos do poema (o poema enquanto conjunto de versos). Para mim um poema contém poesia se cada um dos seus versos, tomado isoladamente, de certa forma contrariar o tema do poema e conseguir ter uma existência autónoma. Caso não o consiga, muito provavelmente esse verso terá uma linha muito recta entre si e o seu único significado e a probabilidade de não conter poesia é grande.
Gosto de entender a poesia, separando-a definitivamente da prosa, enquanto contraficção. O que quero dizer é tão-somente isto: a vida impõe-nos uma ficção mais ou menos consciente: vamos para o trabalho, deparamo-nos com as mais variadas situações do dia-a-dia, há uma gestão pessoal que nos é, mais ou menos, imposta, há gente bem intencionada, gente mal intencionada no nosso caminho, etc. A poesia, enquanto momento de libertação, pode ser uma contra-resposta pessoal em termos de reequilíbrio do cérebro e emoções. Será essa contraficção. Mas esta contraficção pode e deve fugir à frieza da realidade em estado puro; pode e deve, também, conter elementos de nova ficção, de fantasia, do poético como o defini acima, da realidade que se superioriza em altura, dentro de uma linguagem que pretende descobrir o oculto, o longínquo. Talvez a diferença entre poema e poesia se resuma, afinal, a um «ver ao perto», no caso do poema que não participa da poesia como a configurei, e a um «ver ao longe», no caso da poesia propriamente dita, a mesma que pode ser encontrada no interior de um poema ou noutro qualquer texto.

Sylvia Beirute

Cruzeiro Seixas

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