[A prática colectiva da escrita não é tão praticada como poderia. A desafio de Gavine Rubro, escrevemos um poema a dois teclados. Como guardei e ordenei os vários passos do processo pareceu-me curioso deixá-los aqui por inteiro.]
1.
é dificil começar um poema
rasgar o silêncio da folha
como se o mundo nos falasse
pela primeira vez
num dueto impossível
2.
é difícil começar um poema
foram esquivados os moldes do rubor dos dedos
rasgar o silêncio da folha
torcer hirtas, as sílabas
como se o mundo nos falasse
e destilasse e atingisse e piscasse-nos o olho
pela primeira vez
pelo ensaio de dois punhados e um conceito
num dueto impossível
3.
O poema
foram esquivados os moldes do rubor dos dedos
a mão cortada da razão passeia-se livre
e no entanto é difícil
é sempre tão difícil começar
rasgar o silêncio da folha
torcer hirtas, as sílabas
escutar os lamentos os anseios as dúvidas
como se o mundo nos falasse
e destilasse e atingisse e nos piscasse o olho
pela primeira e última vez
pelo ensaio de dois punhados e um conceito
num dueto impossível
4.
O poema
foram esquivados os moldes do rubor dos dedos
a mão cortada da razão passeia-se livre
e no entanto é difícil
é sempre tão difícil começar
esta tinta, das árvores ao manuscrito das linhas,
como se ziguezagueassem no colo das malas,
as interrogativas
rasgar o silêncio da folha
pseudo-assassinar os idosos cânones cépticos gramaticais, decrépitos
torcer hirtas, as sílabas
contra o opulento fundamentalismo da orto-cali-grafia
escutar os lamentos os anseios as dúvidas
como se o mundo nos falasse
segundo o empenho das veias e do oxigénio
conforme a mão, o miolo desassombrado
Como se o mundo nos falasse
e destilasse e atingisse e nos piscasse o olho
pela primeira e última vez
pelo ensaio de dois punhados e um conceito
Insuportáveis são os não esforços, vãos
num dueto impossível
5.
O poema
foram esquivados os moldes do rubor dos dedos
a mão cortada da razão passeia-se livre
e no entanto é difícil
é sempre tão difícil
começar
esta tinta, das árvores ao manuscrito das linhas,
como se ziguezagueassem no colo das malas,
as interrogativas
rasgar
o silêncio da folha
pseudo-assassinar
os idosos cânones cépticos gramaticais, decrépitos
torcer hirtas, as sílabas
contra o opulento fundamentalismo da orto-cali-grafia
escutar
os lamentos os anseios as dúvidas
como se o mundo nos falasse
segundo o empenho das veias e do oxigénio
conforme a mão, o miolo desassombrado
como se o mundo nos falasse
e destilasse e atingisse e nos piscasse o olho
pela primeira e última vez
começar
e seguir em frente
pelo ensaio de dois punhados e um conceito
insuportáveis são os não esforços, vãos
num dueto impossível
é difícil começar assim como é difícil
terminar
que o diga o Herberto Helder
...
o poema não tem
princípio nem
fim