terça-feira, 18 de agosto de 2009

2. Sentado



Quando saí do hospital, andei sem destino pela cidade, até me sentar numa esplanada de um café, à entrada de um dos muitos pequenos jardins espalhados pela cidade. Estava um dia bonito, ensolarado, ainda que frio, e as três ou quatro mesas estiveram quase sempre ocupadas enquanto ali estive. Sempre gostei de cafés e de esplanadas, por motivos idênticos e no entanto diferentes. Um motivo comum é o gostar de ouvir as conversas das pessoas e observá-las discretamente, e isso tanto é possível num café como numa esplanada, ainda que numa esplanada a atenção não se concentre tantos nos clientes como nas pessoas que passam. Outro motivo comum é que quer num café quer numa esplanada é fácil passar despercebido e não fazer realmente nada a não ser estar ali e, no entanto, parecer que estamos a fazer alguma coisa, que há um propósito em todos os nossos actos, mesmo os mais comezinhos e desprovidos de significado. Fiquei pela esplanada até começar a ter frio e depois apanhei um táxi para casa. Durante o trajecto mantive os olhos fechados e quase adormeci.

Sentei-me no escritório, no sofá voltado para a janela, onde habitualmente lia, e deixei-me ficar por ali sem pensar em nada.

Tinha de sair do apartamento até ao fim do mês, o que me dava ainda bastante tempo e, fosse como fosse, não me apetecia pensar em coisa alguma. No dia seguinte não tinha de me apresentar no emprego, nem em qualquer outro dia, pois tinha-me despedido em tempo e todas as minhas anteriores obrigações tinham cessado. Mas não me apetecia pensar em nada de particular e muito menos tomar decisões, fossem elas quais fossem. Por isso deixei-me estar por ali sentado, sem mesmo pensar que me estava nas tintas para pensar no que quer que fosse.

Sentei-me na esplanada e pedi um café. Olhei o largo, beberriquei o café, e nem estranhei aquela sensação, nova em mim, de estar apenas ali, que nunca antes tinha sentido com aquela intensidade e que passara, sem que nada fizesse por isso, a ser a minha forma de estar no mundo. Olhei em volta, apenas olhando, e isso parecia-me mais do que suficiente. Estava quente e, por momentos, quase atribui ao calor o modo como me sentia, mas logo afastei essa ideia e deixei de pensar nisso ou em qualquer outra coisa, e fiquei a olhar o céu, o verde das árvores, as pessoas que iam e vinham, até que uma voz me despertou.

“Então, o que é feito de ti?”
Sorri, apenas, mas já ele se sentava à mesa, e repetia a pergunta, que novamente ficou sem resposta, e então pareceu inquietar-se.
“Oh pá, o que se passa?”
Sorri de novo e esforcei-me por lhe responder, mas não me apetecia dizer nada, e continuei em silêncio.
“Oh pá, já me tinham dito que andavas esquisito, mas não pensei que fosse assim tanto.” E dito isto, foi-se embora sem olhar para trás, resmungando.

Eu continuei sentado. Voltei a olhar o céu, o verde das árvores, as pessoas que iam e vinham. Não me apetecia conversar.


[continua...]

Cruzeiro Seixas

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