terça-feira, 7 de março de 2017

#enepequenashistorias (actualizado)

E de repente dás por ti do lado de lá. Dás por ti do lado de lá e a surpresa que sentes não é a de aí estares mas a surpresa de aí teres chegado, como se de repente visses o que sempre podias ter visto mas nunca antes viras. Tentas descrever essa sensação, certo de que em breve desaparecerá, mas sentes que as palavras simples que dispões em frases simples, em vez de a revelarem, ainda mais a ocultam. E pouco a pouco, muito pouco a pouco, dás por ti do lado de cá do então lado de lá.

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Acreditou que estava a multiplicar-se, mas a verdade é que estava a dividir-se. Seja como for, passou de um a muitos.

Vivia sempre aqui e agora, umas vezes mais aqui, outras vezes mais agora.

Mas tu nem sabias que eu existia, retorquiu-lhe ela, quando ele lhe declarou o seu amor, mas a verdade é que nem ele mesmo sabia que existia antes de a conhecer.

Quando era novo, não acreditavam nele porque era novo; quando finalmente chegou a velho, não acreditavam nele porque era velho. Verdade seja dita, a ele aconteceu-lhe exactamente o mesmo.

Os lápis levam vidas perigosas, cheias de riscos. As borrachas são assassinos autofágicos. Escusado será acrescentar que os apara-lápis são tarados sexuais e as folhas em branco virgens excitadas.

Seguiu sempre a sua natureza, talvez por isso nunca a tenha verdadeiramente encontrado. (Às vezes, ficar parado é melhor do que estar em movimento.)
Esqueceu-se de tal forma de si mesmo que esqueceu a sua própria natureza. Ou talvez a sua natureza fosse esquecer-se.

A amendoeira oferecia as suas flores a quem passava e quem as via logo as levava consigo no branco tingido de rosa dum olhar bucólico.

Ele era ou estava apenas a ser? E estava a ser ele mesmo ou estava a ser outro? Não interessava, não interessava mesmo nada; fosse como fosse, ele podia sempre dizer quem era e só isso verdadeiramente interessa. (Somos sempre quem escolhermos ser.)

Procurou a todo o custo entrar em contacto com a namorada, até que se lembrou de que não tinha namorada e desistiu. Talvez fosse por isso mesmo que não tinha namorada!

Um dia deixou de procurar a felicidade, a partir daí foi muito mais feliz.
(Deixa de procurar a felicidade e terás mais tempo para ser feliz.)

Queria ser saudável, poderoso e famoso. Com o tempo tornou-se poderoso, mas tinha perdido toda a saúde e logo morreu, tornando-se incrivelmente famoso.

Era bom, muito bom, excelente mesmo, a dizer que era bom. Na verdade era a única coisa em que ele era mesmo bom.

Quanto mais se esforçava por sobreviver menos vivia, até que um dia morreu sem quase ter vivido. Nunca percebeu que fugia da vida quando pensava estar a fugir da morte.

As suas críticas eram tão acutilantes que, com o tempo, tornou-se assassino profissional.

A tristeza enchia-o tanto que quando transbordava ele se sentia quase alegre.

Achava a vida um desafio e ria-se sempre dos desafios, escusado será dizer que morreu a rir.

Cresce e aparece, disseram-lhe, e ele cresceu, cresceu e cresceu; cresceu tanto que quase desapareceu.

O bode expiatório só descansou quando encontrou a cabra incriminadora.

Vinham de muito longe com as suas perguntas e o sábio ouvia tudo o que lhe diziam mas nada respondia, facto que nunca impediu que muitos obtivessem uma resposta. (Na verdade todos sabemos que perguntar é quase responder, basta ouvir bem as perguntas.)

Estava um homem sentado, nada fazendo, quando a morte se aproximou por detrás, pé ante pé, e lhe gritou bem alto aos ouvidos: Vive! Vive agora! Escusado será dizer que homem se assustou de tal forma que...
Errou, errou e continuou a errar, mas nunca desistiu: sabia que esse era o único caminho certo.

Muitas vezes foi infeliz, mas nunca o procurou; talvez por isso afirmasse com convicção que todavia foi sempre feliz.

Falava mal de tudo e de todos e sentia-se bem, até que um dia deu por si a falar mal de si mesmo e sentiu-se ainda melhor. Daí para a frente nunca mais falou mal de nada nem de ninguém a não ser de si mesmo.

Tinha ideias próprias e expressava-as com grande convicção. Que ninguém percebesse o que dizia não vem ao caso. E que só a si se ouvisse, também não.

Decidiu um dia que ia ser escritor. Vou ser romancista e poeta, afirmou sem hesitações. Tinha dupla personalidade.

Enfiou barrete em cima de barrete até que a sua cabeça mais parecia uma avelã. Talvez por isso se achasse tão diferente, talvez por isso achasse que os outros eram todos tão iguais.

Nunca se sentiu feliz por estar vivo, no entanto vezes houve momentos em que se sentiu feliz por não estar morto.

Nunca leu um romance do princípio ao fim, na verdade leu sempre apenas o princípio e o fim de cada um deles, o que não o impediu de ser um dos críticos mais certeiros e mais influentes do seu tempo e, verdade seja dita, lhe deixou muito mais tempo para pensar.

Um dia decidiu que ia ser escritor e logo ali escreveu meia dúzia de excelentes títulos. Agora só falta escrever os livros, vociferou com ênfase.

Estava preocupado, muito preocupado, e quanto mais preocupado estava mais preocupado ficava, até que olhou a sua preocupação bem de frente e a viu diminuir progressivamente até desaparecer por completo. Foi então, nesse exacto momento em que percebeu que não tinha afinal qualquer razão para estar preocupado, que ficou verdadeiramente preocupado: Como é que tinha sido possível ficar tão preocupado sem qualquer razão para isso?

Era um homem alegre, um optimista, e foi essa característica que o manteve sempre feliz mesmo em tempos de maior infelicidade.

Um homem esforçou-se toda a sua vida por ser bom para os outros e umas vezes foi e outras não. E isso não se deveu tanto ao seu esforço como às suas acções.


No momento em que alcançou tudo o que sempre quisera, percebeu que nunca quisera nada daquilo. Morreu feliz.

segunda-feira, 6 de março de 2017

JÁ ALGUÉM DEVE TER DITO ISTO (ACTUALIZAÇÃO)

Não tenho muito para vos dar, mas espero que desse pouco possam retirar muito. É assim que escrevo.

Não acredito na divisão entre corpo e alma: o corpo tem ele mesmo uma alma; a alma tem ela mesma um corpo.

As palavras são roupa com que nos enfeitamos e nos protegemos.

Dizer que não se tem palavras para dizer alguma coisa é dar demasiada importância às palavras.

Nunca sou, antes estou, estou sempre a ser.

Muito do que calo é o que eu queria dizer, muito do que eu queria dizer é silêncio.

Amor é mar, aroma, romã, melodia exuberante de uma só nota.

A intimidade intimida-me, facilmente as palavras se tornam palavreado.

Não vás, deixa-te ir: é a única forma de chegar.

Deixas de estar sozinho quando aceitas que (só) estás só.

Se podes vestir-te de medos, também podes despir-te deles.

Aprendo imenso com a dor e o sofrimento, mas dispensava-os bem!

Que sentido faria viver se a vida tivesse um sentido?

O que se diz é importante, mas o modo como se diz é ainda mais importante.

Talvez me preocupe bastante ser (ou não ser) amado, mas preocupa-me muito mais ser (ou não ser) capaz de amar.

Talvez o amor não seja único, mas a verdade é que ele não se repete.

O amor é ditadura, o amor é utopia, o amor é uma doença auto-imune.

Nunca desistas (de viver), viver é resistir, viver é insistir.

É ao ritmo do coração que vivemos, escuta sempre o teu coração (ou ficarás com maus fígados).

A tristeza é um mar (que te rodeia), tens de aprender a caminhar sobre as águas se queres ser feliz.

De nada servirá a dor se nada aprendermos com ela.

Dar pérolas a porcos é como dar toucinho a ostras.

Quem ama o feio, parece mais bonito.

Quando um não quer, dois não podem.

Para bom entendedor meia palavra bas...

Quem jura é jurado.

Muitas vezes, para encontrar o coração, é preciso perder a cabeça.

Não penses duas vezes se podes pensar três.

Não vivas amanhã o que podes viver hoje.

Com coisas sérias não se usa brinco.

Tu também és o medo que sentes, mas não te esqueças de que o medo que sentes não és tu.

Somos sempre quem escolhermos ser.

Se não tens tomates não podes fazer salada (de tomate)!

O "mas" é a bengala e a âncora da cobardia.

Tenho pouco para dar, mas dou mais do que tenho.

As palavras beijam-nos e abraçam-nos, mas os beijos e os abraços são mudos.
Deixa de procurar a felicidade e terás mais tempo para ser feliz.

A corrente incensação de escritores medíocres revela a continua necessidade de literatura na nossa vida.

Diz-se que há cada vez mais maus escritores, mas também se poderia dizer que há cada vez mais maus leitores. Interessam-me mais os segundos que os primeiros, é verdade, mas num e noutro caso é sempre a literatura que é prejudicada: ganha maus escritores e perde bons leitores.

Voar é viver acima das nossas limitações.

Pensas que se nada fizeres não errarás e já cometeste o maior dos erros.

É muito difícil ser simples, só nos dicionários é que simples e fácil são uma mesma coisa.

Não existem bandos de um, por mais que qualquer um queira.

Somos todos palimpsesto.

Na cena literária todos têm um papel, ainda que seja higiénico.

Podemos até achar que a vida nunca tem sentido, mas em nenhum caso devemos perder o sentido de humor.

Qual é a semelhança entre um autor e um operário da construção civil?
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Ambos trabalham na obra.

Tens razão, tens toda a razão! É verdade, é mesmo verdade (não deixa no entanto de ser apenas a tua razão).

A atenção é a chave; a felicidade a fechadura.

A vida é uma balança de dois pratos (ora muito triste, ora muito feliz) raramente em equilíbrio.

Talvez não seja preciso tanto compreender a vida como dar-lhe um sentido; mas não será afinal o mesmo?

A única solução para todos os problemas é aceitar que nem todos os problemas têm solução.

Há os que têm tudo e nunca têm nada e os que têm sempre tudo mesmo quando nada têm.

O bode expiatório tem as costas largas.

Tentar fazer já é fazer. Quanto mais tentas, mais fazes.

Saber ouvir (os outros e a nós mesmos) é pura sabedoria.

A sabedoria pode ser muda, mas nunca é surda.

Nada tem sentido, somos nós que conferimos sentido a tudo.

A vida é, basicamente, como diria a minha filha, amar e sofrer.

Escrever é a minha forma de estar calado.

O que nos define é o modo como lidamos com as nossas limitações.

Acredito tanto mais em mim quanto mais duvido de mim.

Quando falamos mal dos outros é quase sempre de nós que falamos.

Se queres parecer inteligente, cala-te.

Bizarro quantas vezes se nega o amor em nome do amor!

A escrita é uma rede que tudo captura e tudo deixa escapar.

Talvez a verdade seja uma ilusão, mas a sua procura é bem real.

Raramente me zango com quem quer que seja, fico apenas triste e desiludido.

Quanto maior é a intensidade com que vivemos maior é o controlo que necessitamos e menor é o controlo que temos.

Se queres que te ouçam, experimenta calar-te.

Existe a maré-alta e a maré-baixa, mas o mar é só um.

Fazer com que as pequenas preocupações se tornem grandes é a forma mais comum de nos preocuparmos.

O mais sério que podes ser/fazer é não te levares (demasiado) a sério.

Se não duvidas, nem por um momento, de estar certo, já estás errado.

Só há uma única forma de fazer e é fazendo. Tentando, errando e persistindo.

Não sou nem tão sábio nem tão tolo quanto precisaria para conhecer a serenidade.

Quando, numa relação, um nunca tem razão, a razão só pode ser o outro.

Prefiro os sábios aos cultos. Os sábios podem não ser cultos, mas nunca serão idiotas. Já os idiotas, muitos são cultos.

A verdade seria muitas vezes óbvia e acessível, não a julgássemos nós quase sempre obscura e inacessível.

Não te esforces, nunca te esforces, limita-te a fazer.

Não há escritores menores, há apenas escritores baixos.

Se já perdeste a guerra, porque ainda travas batalhas?

Nunca se é culpado desde que se seja responsável (ou não).

Sou como sou, o que quer que isso seja.

Ser livre é (ser capaz de) escolher a que (ou a quem) servir.

Para que exista um diálogo é preciso que todos estejam disponíveis para ouvir. Se tal não acontecer, estou fora. Se então me acusarem de não estar disposto a ouvir, é porque não estou mesmo.

Talvez ser menos seja ser mais.

Estar concentrado não é ser menos, é ser mais.

Gostar ou não gostar, eis o Facebook.

Age como tiveres de agir que eu agirei como tiver de agir. Sem ressentimentos.

A verdadeira força é fazer das fraquezas força.

Queres ser compreendido/a? Talvez devas começar por tentar compreender os outros!

Persisto porque é da minha natureza persistir, ou sou assim apenas porque persisto?

Ter uma imagem de si mesmo melhor do que aquela que os outros têm de si, não só é normal como também é necessário.

O mais importante é quase invisível. Podes pressenti-lo mas não podes vê-lo.

Não procures fora de ti o que só dentro de ti existe.

Não sabermos quem somos é sermos. Ser é sempre estar à procura.

Cada vez mais me preocupo menos com o que não é importante.

Pior que ser parvo é não saber que se é parvo.

Ser ridículo é inevitável quando se é humano, mas mais vale ser do que parecer.

Cala-te com frequência, não só ouvirás mais como a vida te correrá melhor.

Somos tão bons a criar regras como a criar excepções.

Umas vezes é preciso encher a taça, outras vezes é preciso esvaziá-la.

Enganar os outros é fácil, difícil é ser honesto.

Não acreditas em ti porque existes, a verdade é que existes porque acreditas em ti. Acredita em ti.

Os defeitos e as virtudes têm muito menos importância em si do que o modo como os encaramos e usamos.

Ao amor não interessa se é correspondido ou quanto tempo dura, ao amor basta-lhe existir.


Cruzeiro Seixas

 Ouvir.