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No domingo seguinte, ao meio-dia, Ângelo Durão tentou ouvir-se no programa de rádio, mas o programa que foi para o ar não foi aquele em que estivera. Ficou a ouvir durante algum tempo, mas devia ter havido algum engano, e embora o programa fosse o mesmo em que estivera, a Rua do Imaginário, aquela não era a emissão em que estivera. O autor falava de um programa concebido como um todo e com uma intenção artística, dizia que o texto que servia de base era da sua autoria, e Ângelo Durão admirou-se pois ninguém lhe tinha dito que o outro também escrevia. Não o tinha visto na tertúlia mas se calhar também era um frequentador. Ouviu falar de realidade e de ficção, de como eram uma e a mesma coisa, escutou jazz, muito jazz, mas não se ouviu a si mesmo, o que aliás não o incomodou nem um pouco.
Já quase se tinha esquecido do programa quando o seu autor lhe telefonou pedindo-lhe desculpa - tinham colocado na repetição um programa anterior, infelizmente acontecia muitas vezes - e a dizer-lhe que tiver algumas reacções ao programa e se ele não queria ali voltar.
“Reacções?”, estranhou Ângelo Durão. “Que reacções?”
“Alguns leitores entraram em contacto comigo.”
“Leitores?”
“Leitores do livro”, disse o outro, lendo o espanto de Ângelo Durão e soltando uma gargalhada. “Não contava com os leitores?” “Olhe que os livros têm leitores”, e riu novamente.
“Não me interessam os leitores”, respondeu finalmente Ângelo Durão.
“Lançámos um desafio, seria agora interessante confrontar-nos com a opinião dos leitores”, disse o autor do programa. “Gostava de o ter aqui outra vez.”
“Mas terei de falar com essas pessoas?”
“Poderia ser feito”, disse o outro, a ver onde paravam as coisas.
“Não me interessam os leitores, interessa-me apenas o livro.”
“Isso quer dizer que posso contar consigo no próximo programa?”