domingo, 26 de setembro de 2010

Exercício?

EXERCÍCIO
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    O Stan percorreu 29,3 quilómetros da sua casa em Toronto até à casa de um amigo residente num prédio em Mississauga. Antes de sair do carro, Stan coloca uma máscara cirúrgica, luvas de cabedal e óculos escuros.
    O Stan usa a máscara porque está preocupado com a pneumonia atípica, uma doença com uma taxa de fatalidade global entre os sete e os quinze porcento – as estimativas variam. Também está preocupado com a febre hemorrágica da Ébola, que tem uma taxa de fatalidade global de cerca de noventa porcento. Dois pacientes, quase recuperados da pneumonia atípica, encontram-se a 47,2 quilómetros do Stan, no Hospital Geral de Toronto. Os pacientes com Ébola mais próximos encontram-se em África, a 12.580 quilómetros de distância.
    O Stan não está preocupado com a Sr.ª Imelda Foster, que limpa um apartamento no último andar do prédio. Se o Stan conhecesse a Sr.ª Foster, daria valor ao seu entusiasmo pela lixívia como desinfectante. Os olhos da Sr.ª Foster já não são o que eram, mas ela compensa os problemas de vista esfregando a mesma superfície repetidamente.
    O Stan usa luvas porque o preocupam as mordeduras das aranhas. A única aranha venenosa do Ontário é a viúva-negra do norte, a Latrodectus variolus, que produz um veneno quinze vezes mais tóxico que o de uma cascavel. Embora a aranha injecte muito menos veneno do que uma cobra quando morde, quase um porcento dos ataques da L. variolus são fatais. As fatalidades concentram-se nos muito novos ou muito doentes. O Stan tem trinta e sete anos e está em excelente forma física. Ainda assim, evita meter as suas mãos em sítios onde não pode ver e, pelo sim pelo não, usa luvas.
    O Stan não está preocupado com Tanya Scott, a menina de quatro anos que vive no apartamento do último andar, onde a Sr.ª Imelda Foster faz as suas limpezas. Se Stan soubesse da existência da pequena Tanya, daria valor à diligência com que a Sr.ª Foster aspira toda a casa, até a varanda. Não há uma única teia de aranha no apartamento.
    O Stan usa óculos escuros. Estima-se que o Sol continue a brilhar por mais cinco mil milhões de anos, ao fim dos quais a sua luminosidade aumentará para o dobro, o que preocupa Stan.
    O Stan não está preocupado com o cisne de vidro, pesando 457 gramas, que Tanya Scott tirou ontem do seu lugar na mesinha da sala, deixou no parapeito da varanda para ver cintilar ao sol, e do qual se acabou por esquecer. Quando aparece para limpar a varanda, a Sr.ª Foster não repara no cisne e derruba-o do parapeito com o tubo do aspirador.
    No instante em que o cisne inicia a sua descida, Stan encontra-se a 38 metros do ponto directamente por baixo da figurinha de vidro, e avança em linha recta nessa direcção, a uma velocidade constante de 3,2 quilómetros por hora. O objecto em queda acelera a um ritmo de aproximadamente 10 metros por segundo. O parapeito ergue-se 112 metros acima do passeio.
    PERGUNTA: Será que o Stan se preocupa com o que deve?

Bruce Holland Rogers,

[Em Quatro contos Inéditos que pode ler ou descarregar aqui. Muito curiosa e inteligente esta atitude publicitária dos Livros de Areia]

Cruzeiro Seixas

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