A frase de uma amiga desperta-me a vontade de escrever. É uma frase pequena, um verdadeiro micro conto, que se basta a si mesma, se a aceitarmos na sua brevidade e penetrarmos as portas que se abrem. A pensar em quem seria essa mulher e qual seria a sua história, escrevi três pequenos textos que me surgiram de repente. Fico à espera que a pequena e promissora frase me continue a seduzir e, quem sabe, escreva um romance com esse título.
PÔS-SE BONITA E MORREU
(Não há duas sem três)
Primeira tentativa
Vestiu-se de vermelho vivo,
ergueu-se em direção ao sol
num passo de dança e
caiu indefesa no chão.
Segunda tentativa
Pôs-se bonita e morreu, assim, sem mais menos,
ninguém compreendeu porquê.
Muitos se interrogaram porque morrera, assim,
de repente, sem mais nem menos,
mas ninguém se interrogou porque se
pusera bonita, porque se penteara
demoradamente, porque arranjara as sobrancelhas,
porque pintara os olhos e os lábios com extremo
cuidado. Esperaria um amante, esperaria a morte?
Todos sabemos que a morte é um amante exigente.
Terceira tentativa
A autópsia foi clara, a morte tivera causas naturais. O investigador encarregado do caso, pasmou de mistério e de paixão e a sombra funesta daquela morte nunca mais o abandonou. Guardou, na carteira, até ele próprio morrer, de velhice e de tédio, a fotografia daquela mulher meticulosamente arranjada, que a morte tornara ainda mais bela, e contemplava-a muitas vezes. “Pôs-se bonita e morreu.”, dizia sempre, em jeito de oração, e às vezes acrescentava, como num eco, “Já não queria saber do amor”.