Nada é simples quando se trata de palavras.
Quando se trata de palavras até a palavra simples é complicada.
um blog de Luís Ene
terça-feira, 30 de dezembro de 2014
A verdade do poema
não sejas arrogante:
o mundo não existe
só porque tu existes
não te finjas modesto:
o mundo manifesta-se
só em ti e para ti
não temas a verdade:
o mundo que em ti se diz
só tu podes dizê-lo
não digas demasiado:
deixa que o poema
se diga e te diga
[Gosto de poemas de inspiração filosófica, poemas que se interrogam, poemas que nos interrogam e interrogam o mundo. Gosto mais de perguntas do que de respostas.]
segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
a literatura aprende-se, a literatura ensina-se?
O talento não se ensina, o talento revela-se. Escreve-se, escrevendo. Um artigo interessante e que levanta pistas.
terça-feira, 23 de dezembro de 2014
domingo, 21 de dezembro de 2014
sexta-feira, 19 de dezembro de 2014
quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
Mudar
Fiquei interessado neste conceito do Change It, pessoas a trocarem experiências para a mudança. Participei em Faro em várias iniciativas próximas, desde os jantares de A Venda Convida (em que desconhecidos se juntam para jantar mediante inscrição prévia) passando pelas tertúlias Poesia & Companhia e terminando também em jantares temáticos À Mesa Com (em que jantar é realizado em casa de um dos participantes, escolhidos ao acaso. Vou ficar a pensar.
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
SER poesia
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas—a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra coisa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.
Alberto Caeiro
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis
REGRESSO AO LAR
Há quanto tempo não escrevo um soneto
Mas não importa: escrevo este agora.
Sonetos são infância e, nesta hora.
A minha infância é só um ponto preto
Que num imóbiI e fútil trajecto
Do comboio que sou me deita fora
E o soneto é como alguém que mora
Há dois dias em tudo que projecto.
Graças a Deus, ainda sei que há
Quatorze linhas a cumprir iguais
Para a gente saber onde é que está...
Mas onde a gente está, ou eu, não sei...
Não quero saber mais de nada mais
E berdamerda para o que saberei.
Álvaro de Campos
XIV
Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior.
Olho e comovo-me,
Comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado,
E a minha poesia é natural como o levantar-se o vento...
Alberto Caeiro
ser poema
[ há poemas que se escrevem de uma vez só, com aparente facilidade, necessitando depois apenas de pequenos acertos; e há outros que escrevo e rescrevo com esforço até que finalmente se escrevam. Normalmente duvido bastante dos segundos. o poema seguinte pertence a essa última categoria.]
descubro no mundo à minha volta
tanta infelicidade
que me interrogo se alguma vez
poderei ser feliz
encontro em mim tantas formas
de ser infeliz
que me interrogo se alguma vez
conseguirei ser feliz
e enquanto assim me interrogo
acontece-me intensamente ser
se feliz ou infeliz
isso pouco importa
escrever um poema
qualquer que ele seja
é sempre interrogarmo-nos
sobre o que é a poesia
interrogo-me sobre a felicidade
espero desespero quase enlouqueço
e talvez essa seja a minha forma
de ser feliz aqui e agora
o momento certo é sempre
o momento que escolhemos
o poema que não escrevemos
nunca chegará a ser
descubro no mundo à minha volta
tanta infelicidade
que me interrogo se alguma vez
poderei ser feliz
encontro em mim tantas formas
de ser infeliz
que me interrogo se alguma vez
conseguirei ser feliz
e enquanto assim me interrogo
acontece-me intensamente ser
se feliz ou infeliz
isso pouco importa
escrever um poema
qualquer que ele seja
é sempre interrogarmo-nos
sobre o que é a poesia
interrogo-me sobre a felicidade
espero desespero quase enlouqueço
e talvez essa seja a minha forma
de ser feliz aqui e agora
o momento certo é sempre
o momento que escolhemos
o poema que não escrevemos
nunca chegará a ser
sábado, 6 de dezembro de 2014
Monólogo
querias escrever um poema
que fosse todo ele
silêncio
mas os poemas
são feitos de palavras
e as palavras falam e gritam
mesmo quando repousam
no branco da folha
querias dizer-te em silêncio
mas não consegues calar-te
e se não te calas
como conseguirás
ouvir-te?
os poemas que escreves
serão sempre o silêncio
que não consegues
calar em ti
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
solidão
sento-me à mesa onde ninguém está
e digo o que tenho para dizer como
se falasse para uma multidão atenta
possuo o estranho mas eficaz hábito
de preferir falar a ser escutado
avanço sempre como um navio que
tarda a chegar ao seu destino.
domingo, 30 de novembro de 2014
3 Poemas
Talvez
talvez não adiante chorar
talvez não adiante rir mas
seja como for
chora quando te apetecer
ri quando tiveres vontade
prova o doce
prova o amargo
saboreia-os
é tudo o que podes fazer
por isso faz
faz o melhor que puderes
faz o melhor que souberes
*
O Lado Negro do Poema
quero ser a escuridão
na tua vida
a sombra em que repousas
da tirania da luz
a treva em que mergulhas
para te sentires só
o lado negro
da página em branco
em que todo poema
se escreve
*
Incapacidade Temporária
tem cuidado muito cuidado
não procures em tudo
um sentido
resiste ao canto surdo
das sereias que te
encantam
talvez o seu mistério
seja não existir
mistério algum
garantem-te sempre
que todos os caminhos
vão dar a Roma
mas talvez tu queiras
chegar a outro lado
qualquer
tem cuidado muito cuidado
avança sempre por tua
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
INTERVALO
Fico em silêncio para melhor te ouvir
Fecho os olhos para melhor te ver
Estou só mas sinto-me acompanhado
quarta-feira, 19 de novembro de 2014
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
SAIL AWAY
dou
um passo em frente
dois passos atrás
e avanço de lado
como quem falha
o alvo
o olhar pousado
na linha do horizonte
e digo a mim mesmo
que é assim a vida
e digo a mim mesmo
faz-te à vida Luís
faz-te à vida que a morte
não espera
domingo, 9 de novembro de 2014
O homem e a árvore
O homem olhou a árvore e pensou:
esta árvore existe, não tenho qualquer dúvida,
mas será que tem consciência de si?
Para sua surpresa, a árvore respondeu-lhe:
tu tens consciência de ti, não duvido,
mas será que existes mesmo?
esta árvore existe, não tenho qualquer dúvida,
mas será que tem consciência de si?
Para sua surpresa, a árvore respondeu-lhe:
tu tens consciência de ti, não duvido,
mas será que existes mesmo?
sexta-feira, 7 de novembro de 2014
Imagem
Escrevo:
disponho palavras num desenho
simples
como pedras de calçada
guardo duas ou três
para vos atirar
à cabeça.
disponho palavras num desenho
simples
como pedras de calçada
guardo duas ou três
para vos atirar
à cabeça.
quinta-feira, 6 de novembro de 2014
[...]
Não compreendo, dizia ele, o olhar pousado com espanto no quadro.
Não tens de compreender, precisas apenas de sentir. Não sentes nada?
Ele olhou-a e o seu olhar mostrava o mesmo espanto silencioso que dispensara ao quadro.
A arte pode compreender-se, como se compreende algo de que se conhece os pressupostos e os processos, mas também se pode sentir, sem que nada se saiba, e essa é a força da arte, disse ela convicta, como se constatasse um mero facto.
Ele sorriu e sorria ainda quando olhou de novo o quadro.
Sentimos tanto mais a arte, sobretudo a contemporânea, quanto menos a tentamos compreender, quanto mais nos despimos dos nossos preconceitos.
Ele continuou a olhar o quadro, um sorriso de espanto no rosto moreno. Ela olhou-o ainda por momentos, depois os seus olhares encontraram-se no quadro.
Deram as mãos e ficaram a olhar o quadro, o mesmo sorriso misterioso no rosto.
Não tens de compreender, precisas apenas de sentir. Não sentes nada?
Ele olhou-a e o seu olhar mostrava o mesmo espanto silencioso que dispensara ao quadro.
A arte pode compreender-se, como se compreende algo de que se conhece os pressupostos e os processos, mas também se pode sentir, sem que nada se saiba, e essa é a força da arte, disse ela convicta, como se constatasse um mero facto.
Ele sorriu e sorria ainda quando olhou de novo o quadro.
Sentimos tanto mais a arte, sobretudo a contemporânea, quanto menos a tentamos compreender, quanto mais nos despimos dos nossos preconceitos.
Ele continuou a olhar o quadro, um sorriso de espanto no rosto moreno. Ela olhou-o ainda por momentos, depois os seus olhares encontraram-se no quadro.
Deram as mãos e ficaram a olhar o quadro, o mesmo sorriso misterioso no rosto.
AS PALAVRAS
As palavras nunca são simples
quando se trata de palavras
até a palavra simples
é complicada
As palavras nunca se calam
quando se trata de palavras
até a palavra silêncio
fala de mais
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
Cassandra
A poesia oculta-se
nos interstícios das palavras
Todo o poema é profecia
O poeta diz o vazio e o espanto
que não conseguimos
imaginar
Silêncio que só escutamos
verdadeiramente
quando ele o diz.
nos interstícios das palavras
Todo o poema é profecia
O poeta diz o vazio e o espanto
que não conseguimos
imaginar
Silêncio que só escutamos
verdadeiramente
quando ele o diz.
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
QUÍRON
A poesia torna-nos outros:
divide-nos até quase nada sermos
multiplica-nos até ao infinito
A poesia torna-nos outros:
cega-nos até que no fundo do túnel
se faça finalmente luz
A poesia torna-nos outros:
estranhos a nós mesmos
e muito mais autênticos
A poesia torna-nos outros
para que possamos ser
ainda mais nós mesmos
divide-nos até quase nada sermos
multiplica-nos até ao infinito
A poesia torna-nos outros:
cega-nos até que no fundo do túnel
se faça finalmente luz
A poesia torna-nos outros:
estranhos a nós mesmos
e muito mais autênticos
A poesia torna-nos outros
para que possamos ser
ainda mais nós mesmos
terça-feira, 28 de outubro de 2014
O oráculo de Delfos
Dizem-me: a vida é só dificuldades
Dizem-me: a vida é um mar de oportunidades
Dizem-me: a humanidade é generosa e promissora
Dizem-me: a humanidade é irrecuperável e perversa
Dizem-me: tudo muda sempre para melhor
Dizem-me: tudo fica na sempre na mesma ou pior
Dizem-me: nada vale a pena, tudo vale a pena
E eu que sei muito bem que todas as coisas podem ser
ao mesmo tempo uma coisa e o seu contrário
ao mesmo tempo uma coisa e o seu contrário
sei também, sem sombra de dúvida
que a realidade, por mais que se contradiga
nunca mas nunca é ambivalente.
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
PERSEU
Antes de sair de casa
olho sempre o mundo da minha janela
alta
gosto de o ver assim
independente
e no entanto rendido ao meu olhar
fora e dentro de mim
como a alegria (e a tristeza) que sinto
amiúde
tesouros que não me pertencem
mas que a mim sempre
se oferecem.
olho sempre o mundo da minha janela
alta
gosto de o ver assim
independente
e no entanto rendido ao meu olhar
fora e dentro de mim
como a alegria (e a tristeza) que sinto
amiúde
tesouros que não me pertencem
mas que a mim sempre
se oferecem.
domingo, 26 de outubro de 2014
SÍSIFO
Perguntas-me porque insisto
então eu não sei que procuramos sempre
nos lugares errados?
Respondo-te que vou continuar
que nunca vou desistir
Posso até não acreditar nos resultados
porém não duvido
nem por um momento
da verdade daquilo que procuro.
então eu não sei que procuramos sempre
nos lugares errados?
Respondo-te que vou continuar
que nunca vou desistir
Posso até não acreditar nos resultados
porém não duvido
nem por um momento
da verdade daquilo que procuro.
sexta-feira, 24 de outubro de 2014
quarta-feira, 22 de outubro de 2014
segunda-feira, 13 de outubro de 2014
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
Variações
O piano aprendeu a calar-se perante
a majestosa imponência do mar. Só a pianista, tão silenciosa quanto ele, era
capaz de lhe emprestar a sua voz.
A pianista tinha uma filha, mas o
piano não era o pai, por muito que lhe custasse. Talvez por isso o seu som
fosse sempre triste, ainda que apaixonado.
Quando ela morreu, o piano morreu
também. Ainda se suspeitou de suicídio, mas, fosse como fosse, todos sabiam que
tinha sido o desgosto que o matara.
A pianista trocou teclas por sexo,
antecipando-se à sua neta que muitos anos mais tarde trabalharia numa linha erótica.
O piano era a voz do silêncio,
poema materializado dos seus sonhos e das suas angústias. Com o piano ela
aprendeu a falar, com o piano ele aprendeu a calar-se.
Ele não era pianista e ela de
certeza não era um piano, no entanto as mãos dele no corpo dela despertavam uma
música sublime.
quarta-feira, 24 de setembro de 2014
EXERCÍCIOS DE ESCRITA
I
desenho
palavras
alinhando longas
linhas
estranhas
formas regulares
de curvas e
arestas
improváveis
que se
prolongam
repetidamente
no silêncio
II
as palavras
brilham
de forma
desigual
no negrume
uniforme
do silêncio
primordial
recordando-me
que
de noite nem
todas
as palavras
são
pardas
II
queria
escrever um
poema
em que as
palavras
imóveis
corressem em
todas
as direções
poema
atravessado
por ventos
por marés
poema
atravessado
pelos sonhos
perturbados
dos homens
que vivem
sós
terça-feira, 23 de setembro de 2014
POEMA QUE QUIS SER ENSAIO E QUASE SE ESQUECIA DE SER POEMA
O teu corpo nu
é bosque rio montanha
solo fértil
Mas ele é muito mais
e muito menos do que quis dizer
Por isso recomeço e escrevo
O teu corpo nu
é promessa de bosque
de rio de montanha
de solo fértil
E sinto agora que disse muito mais
e muito menos
do que queria dizer
TODO O POEMA
Todo o poema
é uma contida contenção
uma tensão de uma tensão
de uma tensão
Todo o poema
é uma repetida conversão
uma versão de uma versão
de uma versão
Todo o poema
é uma canção continuada
um nada de um nada
segunda-feira, 22 de setembro de 2014
EM CONSTRUÇÃO
No exato momento em que estas palavras
Mancham o branco da minha imaginação
Agulhas profundas de serenidade e de dor
Abrem-se estreitas portas giratórias
Que me levam ora ao paraíso ora ao inferno
Num jogo de acasos a que não sou alheio
quinta-feira, 18 de setembro de 2014
Poema Óbvio
A ingratidão dói-me!
Mas a ingratidão não é pé nem mão
É antes uma pedra que se atira ao
coração como uma seta afiada a um alvo
Por isso me desvio torno-me etéreo
A arte salvar-me-à!
DECLARAÇÃO
Para os devidos efeitos
deixem-me que vos diga
de uma vez por todas que
se ser poeta é escrever poemas
então eu não sou poeta
porque eu não escrevo poemas
os meus poemas escrevem-se
deixem-me que vos diga
de uma vez por todas que
se ser poeta é escrever poemas
então eu não sou poeta
porque eu não escrevo poemas
os meus poemas escrevem-se
segunda-feira, 8 de setembro de 2014
segunda-feira, 1 de setembro de 2014
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
HISTÓRIA DO ELEFANTE QUE SE TORNOU ELEGANTE
Desde muito novo que o alcunharam de Elefante, e o epíteto colou-se-lhe
de tal forma que muitos anos depois só por esse nome era conhecido. E não é que
alguma vez ele tivesse sido obeso – tinha uma constituição normal – ou andasse
habitualmente de trombas – era mesmo uma pessoa bem disposta que ostentava
invariavelmente um sorriso franco; o que lhe valeu a alcunha, se querem saber,
foi o seu andar desajeitado e arrastado que ainda hoje o caracteriza e de que
nunca se conseguiu livrar, por mais que tentasse.
Apesar de ser uma pessoa simples, ou talvez por causa disso, a verdade é
que tal facto sempre o incomodou e chegou mesmo a um ponto em que ele pensou
que não aguentava mais. Estava farto de ser Elegante. Que coisa. Estava mesmo
farto!
Ponderou até exigir que deixassem de o tratar por Elefante, ou apenas
pedir-lhes que o chamassem pelo seu nome, mas era muito tímido e evitava sempre
qualquer tipo de confronto, além de que ninguém lhe chamava Elefante com desdém
ou ironia, tinha apenas se tornado o seu nome. E além disso, verdade seja dita,
ainda que lhe custasse admiti-lo, ele não gostava muito do seu verdadeiro nome.
Então, um certo dia, teve uma ideia! Quando lhe chamavam Elefante, “Bom
dia Elefante?”, “Olá Elefante”, “Como vai a vida, Elefante’”, ele passou a
responder, “Elegante, claro que sim, elegante!” Afinal era apenas uma letra de
diferença, mas fazia toda a diferença, se assim se pode dizer. Elefante.
Elegante!
E pouco tempo depois, acreditem ou não, já todos só o conheciam por
Elegante, e ele sorria, como sempre sorrira, é verdade, mas sentia-se agora muito
melhor.
E esta foi a história do elefante que se tornou elegante.
imagem aqui
domingo, 10 de agosto de 2014
AUTO - RETRATO
Eu podia
ter escrito uma história ou um poema sobre
como me senti esta manhã na alameda
a menina que os pombos seguiam
em alvoroço
os gritos estridentes dos pavões
invisíveis
a casuarina que me foi apresentada
com pompa e circunstância
e que nunca falou
Eu podia eu podia
e fosse uma história ou um poema
tudo o que já disse também lá estaria
quase com as mesmas palavras
se em prosa e em verso
pouco importaria
Eu podia eu podia eu podia
e foi isso que fiz
na minha solidão
senti-me feliz
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
QUOD ERAT DEMONSTRANDUM
e usam todos as mesmas palavras,
mais coisa menos coisa, é certo,
mas, no geral, é mesmo assim,
e nunca doutra maneira.
Logo, o mais natural seria que dissessem
todos as mesmas coisas, mas,
e isto é facto que não carece de comprovação,
de tão óbvio,
os leitores lêem e, sobretudo, ouvem
sempre diferentes coisas nos mesmos poemas.
Podemos então concluir, sem mais,
que o enunciado já vai longo,
que muito mais importante do que aquilo
que os poetas dizem é aquilo
que os poetas deixam para o leitor
dizer.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
O HOMEM QUE ESCREVIA
Escrevia e escrevia e escrevia, se prosa ou poesia, ele não sabia. Escrevia e escrevia e escrevia, e isso era tudo o que ele fazia. Um certo dia deixou de escrever, foi um pouco antes de vir a falecer. Mas não pensem que se fechou a porta, agora escreve numa língua morta.
terça-feira, 29 de julho de 2014
BLOGS E LISTAS DE BLOGS
Reparo em muitos blogs que não têm lista de blogs e estranho, porque me parece contrário à própria noção de blog. Um dias destes comentei tal facto com o Rui Manuel Amaral, que me deu uma resposta plausível. Não sabia então que o blog dele era um desses. Aceitando a explicação, que serve para ele, mesmo assim ainda me custa deparar com esses blogs autistas.
sábado, 26 de julho de 2014
CARALHO NÃO, CARALHO!
Há muito muito tempo que não saio
de casa
às voltas no meu quarto
a tentar perceber
o que aconteceu.
Perturba-me o constante ladrar
das gaivotas
que invadiram a cidade e se misturaram
com as multidões que nela circulam
sem destino.
Ainda não percebi o papel da proliferação
das frutarias na geometria decadente
da crise.
É uma enorme confusão de luíses, digo, de narizes,
as palavras degadam-se apido,
a imaginação está mota,
viva a imaginação.
de casa
às voltas no meu quarto
a tentar perceber
o que aconteceu.
Perturba-me o constante ladrar
das gaivotas
que invadiram a cidade e se misturaram
com as multidões que nela circulam
sem destino.
Ainda não percebi o papel da proliferação
das frutarias na geometria decadente
da crise.
É uma enorme confusão de luíses, digo, de narizes,
as palavras degadam-se apido,
a imaginação está mota,
viva a imaginação.
quinta-feira, 24 de julho de 2014
...
A folha em branco não é folha nem está em branco
é este silêncio turvo em que toda a palavra se suspende
antes da
queda
É esta paciência inquieta que nos obriga a escrever
obsessão
medo
desejo
vontade
É este seja o que for que nos aproxima de nós ao mesmo tempo
que nos afasta de
nós
inexorável
É este seja o que for que nos apazigua ao mesmo tempo que
nos
desequilibra
inexorável
Estar em movimento é sempre estar em desequilíbrio
mesmo quando acreditamos que estar em equilíbrio é procurar o
equilíbrio
Todo o poema é folha em branco
nenhum poema está alguma vez terminado
quarta-feira, 23 de julho de 2014
POEMA A UM AMIGO
Olhas e olhas-te em tudo o que olhas
Olhar que vai e vem como um bumerangue
Olhar meticuloso olhar cego
Olhar sonâmbulo
Olhas para fora do que está dentro de ti
Olhar iluminado de óculos escuros
Olhar míope olhar camaleónico
Olhar todo-poderoso
Olhas e olhas-te, olhas-te e cegas.
Ver é sempre uma forma de cegueira.
terça-feira, 22 de julho de 2014
um poema como outro qualquer
Escrever é inspirar e expirar em apneia.
Dispo-me a cada verso
e visto-me de silêncio
Esvazio-me só para
de novo me encher
Sou copo meio cheio
sou copo meio vazio
Sou tanto mais transparente
quanto mais opaco
É tão impossível dizer-me
como é impossível
calar-me
Dispo-me a cada verso
e visto-me de silêncio
Esvazio-me só para
de novo me encher
Sou copo meio cheio
sou copo meio vazio
Sou tanto mais transparente
quanto mais opaco
É tão impossível dizer-me
como é impossível
calar-me
domingo, 20 de julho de 2014
RELEITURA(S) 0
[ curiosamente, esta é a mensagem número mil e uma]
Um homem
encontrou um livro estendido num banco de jardim e perguntou-lhe: Quem te
perdeu? Ao que o livro respondeu: Ninguém me perdeu, na verdade fui aqui
deixado para que alguém me encontrasse e me levasse consigo. Mas ainda o livro
mal acabara de falar e já o homem abalava sozinho sem dizer sequer uma palavra.
[A moral desta história é dupla: há livros que não falam ao coração dos homens;
há homens que são surdos à voz dos livros.]
sábado, 19 de julho de 2014
RELEITURA(S) 3
Primeiro decidiu dizer-lhe que o amava. Mas deveria escrever-lhe uma carta ou fazer-lhe uma declaração? Esta pergunta conduziu-a a outra. O que é que ele sente por mim? E outra. Como irá ele reagir? E outra. Será que devo dar a conhecer o meu amor? Pensou durante muito tempo mas não conseguiu respostas, apenas mais uma pergunta. Amo-o? Decidiu então não dizer que o amava. Mas seria esta a melhor solução? Respondia às suas necessidades? Aos seus anseios? Devia manter escondidos os seus sentimentos? Finalmente, decidiu-se. Não faria mais perguntas!
sexta-feira, 18 de julho de 2014
RELEITURA(S) 2
O que se pode dizer com meia dúzia de
palavras? Muito, mesmo muito, muito mais do que se imagina. Basta calar bem
fundo em nós a arrogância de tudo explicar.
quinta-feira, 17 de julho de 2014
A POESIA NÃO SE EXPLICA...
"Não sei falar de literatura. Não sei falar de poesia. Sobretudo não sei se a poesia tem alguma coisa a ver com a literatura. Talvez esteja antes ou depois da literatura. Sei que a poesia não se explica, a poesia implica, como costuma dizer a minha amiga Sophia de Mello Breyner. Sei que a energia, como diz o meu amigo Herberto Hélder, é a essência do mundo e que “os ritmos em que se exprime constituem a forma do mundo". Sei, como o poeta russo Mandelstam, que "escrever é um acontecimento cósmico". E que cada palavra é um pedaço de universo. Ou como dizia Klebnikov: "Na natureza da palavra viva, esconde-se a matéria luminosa do universo." Talvez tudo isto seja a poesia. Ou talvez ela não seja mais do que o primeiro verso, aquele que nos é dado, como sempre dizia Miguel Torga, porque os outros têm de ser conquistados. Talvez tudo esteja nesse primeiro verso, que é o instante da revelação e da relação mágica com o mundo através da palavra poética. Talvez o poeta, afinal, não seja muito diferente daquele sujeito que vemos nas tribos primitivas, de plumas na cabeça, repetindo palavras mágicas enquanto dança e pula ao ritmo de um tambor. O poeta é esse feiticeiro. Dança com palavras ao som de um ritmo que só ele entende. Ou é talvez o adivinho. Como já não pode ler nas vísceras das vítimas, procura decifrar os sinais dos tempos através de múltiplos sentidos ou dos semi-sentidos da palavra. De qualquer modo, como nas sociedades primitivas, que tinham uma concepção mágica do mundo, o poeta de hoje é como esse xamã antigo que, através da repetição rítmica de palavras e imagens, convoca as forças benfazejas ou tenta exorcizar as forcas maléficas.
A poesia é, assim, antes de tudo, uma forma de medição. Um presságio do sul, como diz o meu amigo José Manuel Mendes. Uma encantada, encantatória e desesperada tentativa de captar a essência do mundo e de, através da palavra, "mudar a vida", como queria Rimbaud. Uma forma de alquimia. Que procura o impossível. Ou seja: o verso que não há.
A poesia é também a língua. E para mim a língua começa em Camões, que tinha uma flauta mágica. A música secreta da língua. A arte e o ofício da língua e da linguagem.. Nem foi por acaso que Dante chamou a Arnaut Daniel "il migiior fabbro". O poeta, dizia Cioran, "é aquele que leva a sério a linguagem". E o que é levar a sério a linguagem? Eu creio que é estar atento aos sinais. Os sinais mágicos da palavra. Os sinais da essência do mundo que por vezes se revelam na palavra poética. Ou talvez o duende e aquela ferida de que falava Lorca. Porque o poeta traz em si uma ferida e o duende por vezes ouve "sonidos negros". É então que a poesia acontece.
Isto é o que sei de poesia. Talvez seja muito pouco. Mas não sei se é possível saber mais."
Manuel Alegre
A poesia é, assim, antes de tudo, uma forma de medição. Um presságio do sul, como diz o meu amigo José Manuel Mendes. Uma encantada, encantatória e desesperada tentativa de captar a essência do mundo e de, através da palavra, "mudar a vida", como queria Rimbaud. Uma forma de alquimia. Que procura o impossível. Ou seja: o verso que não há.
A poesia é também a língua. E para mim a língua começa em Camões, que tinha uma flauta mágica. A música secreta da língua. A arte e o ofício da língua e da linguagem.. Nem foi por acaso que Dante chamou a Arnaut Daniel "il migiior fabbro". O poeta, dizia Cioran, "é aquele que leva a sério a linguagem". E o que é levar a sério a linguagem? Eu creio que é estar atento aos sinais. Os sinais mágicos da palavra. Os sinais da essência do mundo que por vezes se revelam na palavra poética. Ou talvez o duende e aquela ferida de que falava Lorca. Porque o poeta traz em si uma ferida e o duende por vezes ouve "sonidos negros". É então que a poesia acontece.
Isto é o que sei de poesia. Talvez seja muito pouco. Mas não sei se é possível saber mais."
Manuel Alegre
INTERROGAÇÃO
Um homem perguntou a si mesmo o que era realmente importante
para si e, inspirando e expirando profundamente, obteve a resposta.
A moral desta história talvez possa ser que que nem
todas as histórias têm uma moral, ainda que tenham sempre um princípio e um
fim.
quarta-feira, 16 de julho de 2014
RELEITURA(S)
(1)
Muitas vezes acontecia-lhe esquecer-se de quem era, sem qualquer aviso prévio ou razão aparente. Não era uma sensação completamente desagradável, mas podia ser bastante aborrecido, tendo em conta as consequências óbvias. Decidiu então escrever o mais importante de si mesmo, aquilo que o tornava diferente e singular (não deviam ser precisas muitas palavras) e trazê-lo consigo, talvez um pequeno papel colado na carteira, talvez uma pequena inscrição numa pulseira, qualquer coisa que o fizesse regressar a si. O seu nome não era importante, na verdade pouco dizia de si, a sua idade, sexo e coisas que tais, estavam à vista, e quanto às suas características morais, elas reflectir-se-iam necessariamente nos seus actos. Acabou por fazer uma pequena tatuagem nas costas da mão direita, junto ao polegar, onde se podia ler a palavra SOU, não se fosse esquecer de ser, que isso sim, é que seria completamente desagradável e bastante aborrecido.
Muitas vezes acontecia-lhe esquecer-se de quem era, sem qualquer aviso prévio ou razão aparente. Não era uma sensação completamente desagradável, mas podia ser bastante aborrecido, tendo em conta as consequências óbvias. Decidiu então escrever o mais importante de si mesmo, aquilo que o tornava diferente e singular (não deviam ser precisas muitas palavras) e trazê-lo consigo, talvez um pequeno papel colado na carteira, talvez uma pequena inscrição numa pulseira, qualquer coisa que o fizesse regressar a si. O seu nome não era importante, na verdade pouco dizia de si, a sua idade, sexo e coisas que tais, estavam à vista, e quanto às suas características morais, elas reflectir-se-iam necessariamente nos seus actos. Acabou por fazer uma pequena tatuagem nas costas da mão direita, junto ao polegar, onde se podia ler a palavra SOU, não se fosse esquecer de ser, que isso sim, é que seria completamente desagradável e bastante aborrecido.
terça-feira, 15 de julho de 2014
EU SEI LÁ PORQUÊ!
não tenho nada para dizer
que não possa dizê-lo com ações.
Escrever, para um escritor,
dizia alguém,
é agir,
o que quer que isso signifique.
É um fim, e não um meio, ou talvez
seja o contrário,
não sei.
Percebo o que isto quer dizer,
mas não tento sequer
explicá-lo,
pela simples razão que explicá-lo seria
complicá-lo,
e eu tento sempre ser simples.
Não escrevo para dizer-me,
escrevo,
apenas,
nada mais;
talvez para escutar o que assim digo,
talvez para aceitar o que assim digo,
talvez para tudo interrogar
ou então apenas escutar-me
e afinal dizer-me,
como qualquer leitor.
O que me interessa não está
aquém das palavras,
mas além delas.
Por isso é que leio,
por isso é que escrevo,
por estrita necessidade,
e nada mais .
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Cruzeiro Seixas
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