O
que não consigo explicar
posso
sempre escrevê-lo
Luís Ene
Deixem de me perguntar
qual é o meu programa: respirar não é suficiente?
E.M. Cioran, Silogismos
da Amargura
Ama como a estrada
começa
Mário Cesariny
O guru de
algibeira
I
Não
há princípio nem há fim, existem só princípios e fins. Cada
princípio anuncia um fim, cada fim revela um princípio. Na vida,
como na escrita, é sempre tão difícil terminar quanto é fácil
continuar, porque todos sabemos, mesmo quando de todo o ignoramos,
que não há princípio nem há fim.
II
Muito
do que te acontece pode parecer-te imprevisto, mero resultado do
destino ou do acaso, mas a verdade é que tu estás a caminho. Podes
até não ter escolhido o caminho, mas escolheste caminhar. Podes até
não saber aonde esta atitude te levará, mas sabes que, chegues onde
chegares, será sempre a ti que chegarás.
III
A
vida é sempre um puro processo de teimosia, de rigor, de
autoconsciência, quer seja escrever um poema quer seja limpar o chão
da cozinha. Processo lento mesmo quando avança rápido, processo
feito de pequenos gestos mecânicos que a si mesmos não se corrigem,
processo maior em que te envolves cada vez mais até seres tu o
processo.
IV
Pratica
com tenacidade a indiferença, procura sempre manter-te indiferente,
ainda que assim não te sintas. Edifica a indiferença como quem
ergue um muro, com muito cuidado, com redobrado cuidado. Muro que te
protege, muro que guardará em ti, intacta, toda a tua paixão.
V
Quer
tudo queira da vida, quer nada queira da vida, só há uma coisa que
verdadeiramente preciso. Ia escrever “paixão”, ainda escrevi
“paixão”; mas o que eu sinto, o que eu quero mesmo dizer, é que
tudo o que eu preciso é estar vivo.
VI
Inspiras
e expiras, tomas e devolves, é isso que fazes: respiras. Tomas e
devolves à vida; tomas, transformas e devolves à vida. E nesse
processo transformas-te também; inspiras-te e expiras-te: respiras.
É assim a tua vida, é assim que tu és.
VII
Não
te distraias, nunca te distraias, a vida pede constante atenção, a
vida exige plena concentração. Nunca te esqueças que, aconteça o
que acontecer, só tu podes dar sentido à vida.
VIII
Ri
de ti próprio. Ri sempre de ti próprio. Ri de ti próprio mesmo
quando te ris dos outros. Se tudo te corre mal, é porque ainda estás
vivo. Aproveita e vive o melhor que podes. Viver o melhor que podes é
levar a vida a sério. Rir de nós próprios é sempre levarmo-nos
muito a sério.
IX
É
tão fácil compreender quanto é difícil compreender. Não percebes
porquê? Talvez porque não seja do domínio da compreensão, mas do
domínio da fé. E a verdade é que tu preferes duvidar a acreditar,
ainda que, em ti, tal não seja mais do que acreditar na ilimitada
superioridade da dúvida.
Pois
eu duvido, sobretudo, da própria capacidade de duvidar, e essa é
talvez a minha maior certeza. Duvido muito, é verdade, mas acredito
ainda mais, muito, muito mais.
X
Acredita
em ti, acredita sempre em ti, sobretudo quanto mais duvides de ti.
Acredita nessa tua capacidade de duvidar de ti, nessa tua maravilhosa
capacidade que te permite ser vários sem nunca deixares de ser tu.
XI
Por
muito que me custe aceitar, a verdade é que não tenho qualquer
mestre ou, se mestre tenho, o único mestre que tenho sou eu. Mestre
que nada ensina, mestre que pouco aprende, mestre ignorante que tudo
sabe e tudo desconhece.
XII
Às
vezes julgo entrever o mundo tal como ele de facto é, nu e sem
disfarces, mas talvez o mundo seja todo ele mudança, ou talvez eu
não seja suficientemente arguto para o entender, pois logo essa
súbita compreensão se desvanece e esqueço o que por momentos
estava certo de saber. Não entendo o mundo, é verdade, nem mesmo a
mim me entendo, mas não é menos verdade que me conheço cada vez
melhor, tanto quanto mais me desconheço.
XIII
Dizem-me
muitas vezes que acredito demasiado nas pessoas, que espero demasiado
delas e depois desiludo-me e sofro. Dizem-me que somos todos muito
imperfeitos, que só pensamos em nós mesmos e na satisfação das
nossas necessidades, e que eu nada devia esperar das pessoas.
Sorrio
e respondo que conheço bem a imperfeição humana, todos os dias
luto e sofro com as minhas imperfeições e com a forma de as
ultrapassar. Deixar de acreditar nas pessoas não me reduziria a dor,
estou certo, apenas mataria em mim a esperança.
XIV
Não
fiques à espera de uma resposta que tarda a chegar, interroga-te,
pergunta e responde uma e outra vez. Se não perguntares, de nada te
servirão as respostas. Se não responderes, de nada te servirão as
perguntas.
XV
Duvida
muito, duvida de tudo, mas duvida sobretudo do óbvio; é nas
pequenas coisas de todos os dias que a verdade se esconde, a mesma
verdade que procuras sem cessar nas entrelinhas do poema. E nunca te
esqueças, a vida é feita de poesia, como dizia amiúde o poeta cego
que tanto via.
XVI
Extraordinária
capacidade ou simples deformação, muito aquém do poema, muito
aquém do real, é no olhar que a poesia primeiro se revela. Olhar
incomum de homens e mulheres comuns, olhar comum de homens e mulheres
incomuns, é ele que diz o mundo sem o nomear, mundo anterior às
palavras, mundo mistério que os olhos percebem, mas de todo não
dizem.
XVII
Está
tudo no olhar. Até os cegos olham. Está tudo no ver. Até nas
trevas nos conseguimos ver. No princípio é sempre o olhar, nada
mais do que o olhar, o ver vem depois, vem sempre depois, depois do
olhar e antes do fazer, ou não fazer. O poema pode ser cego mas tem
sempre os teus olhos. O poema pode ser obscuro mas nunca é
invisível.
Está tudo no olhar, não
estás a ver? Estás? Então olha!
XVIII
A
solidão não é um problema porque estamos sós, a solidão é um
problema porque nunca, mas nunca, estamos sós. Para combateres a
solidão de nada te serve afastares-te de ti. Para venceres a solidão
de nada te serve aproximares-te dos outros. A solidão não se vence
nem se combate, a solidão aceita-se. Aceita-se a solidão como se
aceita um poema que não procurámos e que, no entanto, se escreveu
em nós.
XIX
Num
mundo em constante tensão, num mundo em eterno conflito, como se
pode estar tranquilo, como se pode encontrar a paz? Talvez a única
forma seja não pensar, evitar comparações, contraposições,
evitar sobretudo evitar; sentir apenas, sentirmo-nos parte de um todo
que se pensa sem pensar cada uma das suas partes.
XX
O
que não gosto nos outros, até o que nos outros odeio, descubro-o
quase sempre em mim, mais ou menos desperto, muitas vezes apenas
latente. Por isso é que compreendo com facilidade os outros, por
isso é que não os julgo nem censuro com facilidade, por isso é que
não os desculpo.
XXI
A
solidão não é impossibilidade de encontro com os outros, tal como
a folha em branco não é impossibilidade de realização do poema. O
vazio é apenas um nada que aspira a ser algo, tal como nós.
XXII
A
dor e a alegria não são a mesma coisa, porém partilham talvez a
mesma matéria-prima. Há dor na alegria, como há alegria na dor.
Uma e outra são conteúdo e contentor. Os melhores poemas, disse-me
uma vez um poeta e então eu não acreditei, riem e choram; são dor
que nos faz rir, são riso que nos faz chorar. Na vida não é
diferente, a dor e a alegria não são as duas faces da vida, a dor e
a alegria são aquilo de que a vida é feita.
XXIII
A
dor não é uma inimiga, a dor é uma péssima amiga e uma excelente
professora. Não confundas as coisas, uma coisa é uma coisa e outra
coisa é outra coisa. Não confundas felicidade e saber. Podes ser
feliz sem o saber, que é o modo mais infeliz de felicidade; podes
ser infeliz e sabê-lo, que é o modo mais feliz de infelicidade.
XXIV
Quando
me perguntam como vai a vida, respondo sempre que estou a atravessar
um período muito difícil. E então dizem-me que tenha calma, que as
coisas vão melhorar, que um dia vou ter tudo o que desejo e outras
coisas que tais. Calo-me e sorrio, sorrio sempre. Sei há muito que a
vida é uma simples sucessão de períodos difíceis, que enfrento
com um sorriso.
XXV
Pudéssemos
carregar sempre o fardo
da vida com um sorriso e tudo
seria muito mais fácil. Mas fazer sorrir a dor não é fácil, fazer
sorrir a dor é difícil, muito difícil,
mas não é impossível, não
é de todo impossível, como acontece
afinal com quase tudo na
vida que realmente importa.
XXVI
Mesmo
quando estou triste, sinto em mim felicidade. Mesmo quando estou
feliz, sinto em mim tristeza. No meu rosto ostento sempre um sorriso,
triste ou feliz tanto me faz. Um sorriso, triste ou feliz, é sempre
um sorriso.
XXVII
Não
quero saber o que é o amor, quero apenas senti-lo. Mas como posso
senti-lo, interrogo-me, se não souber o que é? A verdade é que não
sei nem me interessa. Não sei o que é o amor nem quero saber, quero
apenas senti-lo, quero apenas vivê-lo, quero apenas interrogar-me se
o que sinto é mesmo amor.
XXVIII
Ouve
bem o que digo, não deves encher o coração até acima com as tolas
preocupações de todos os dias, como um ávido carrinho de compras.
Nem deves levá-lo além dos seus limites, como um bólide que te
transporta para o mais longe de ti mesmo no mais curto espaço apenas
de tempo. E muito menos deves culpá-lo de tudo e mais alguma coisa,
como um Deus insano que não consegues deixar de seguir.
Ouve
bem o que te digo, o amor é uma forma pura, nunca te esqueças
disso.
XXIX
Se
tudo o que vive adoece e morre, porque haveria o amor de ser
diferente? Porquê negar a sua morte? Porquê negar a sua essência?
Dizer, por exemplo, que se o amor morreu é porque nunca existiu!
Dizer, por exemplo, que o amor não conhece dúvidas, que todo ele é
certeza! O amor existe sempre, o amor existe mesmo quando não é
correspondido, mesmo quando é todo dúvida e incerteza. O amor
existe sempre que alguém ama. Nenhum amor é vivido em vão.
XXX
Dizem-te
que o amor é inevitável e poderoso como um raio ou um tremor de
terra; algo que podes desejar ou temer, mas não podes controlar. E
tu acreditas, desejas o amor tanto quanto o temes, sonhas e
desesperas; mas o amor é natural, tão natural como este poema que
escrevo, poema que controlo mas não domino, poema a que me entrego
para que em mim se escreva.
XXXI
O
que importa não é ser ou não ser belo ou medonho, esperto ou
parvo, bravo ou medroso, trabalhador ou preguiçoso, persistente ou
inseguro, generoso ou cruel, atento, desatento, tolerante,
intolerante ou por aí adiante. O que importa, repito, não é ser ou
não ser, que todos somos tudo, uma vez ou outra. O que importa é
estar, sim, isso mesmo, o que importa é estar em equilíbrio.
XXXII
Para
alcançar o equilíbrio bastam três pontos, e um deles és tu
próprio, dizes-me. Fico a pensar nisso e também como na vida todo o
equilíbrio é um constante jogo de desequilíbrios, de instáveis e
necessárias compensações, que tentamos com diligência harmonizar
em nós, como livros arrumados numa estante. Todo o equilíbrio é
dinâmico, aprendi há muito, o que não quer dizer que não se possa
alcança-lo, mas tão só que tens de o procurar uma e outra vez, com
teimosia, com determinação, labor diário que só terminará na
última página.
XXXIII
Queres
escutar-te mas não consegues deixar de te dizer. Forças-te ao
silêncio, afastas de ti as palavras, uma a uma, porém elas logo
regressam, e tu acolhe-las em ti com redobrada alegria. Percebes que
dizeres-te é afinal a tua forma de te escutares.
XXXIV
Tem
cuidado, tem muito cuidado, não digas tudo o que sentes; dizer o que
se sente é pensar, e pensar já não é sentir. Se te sentes triste
e dizes a tua tristeza, julgas talvez que estás ainda a senti-la, e
talvez estejas, mas estás já a pensá-la e pensar não é o mesmo
do que sentir. Pensar enfraquece o sentir, substitui-o por palavras,
refina-o, degrada-o. Tem cuidado, tem muito cuidado; talvez querias
pensar a tua tristeza, mas será que queres pensar o teu amor?
XXXV
O
dizer é todo feito de palavras e tu és uma coisa e as palavras são
outra coisa. Quando te dizes, as palavras também se dizem, e dizem
muito, muito mais do que tu. Por tudo isto é que, quando escrevo um
poema, deixo sempre que o poema me diga.
XXXVI
Acordas
a meio da noite e escreves um poema. Ou o poema acorda-te a meio da
noite para que tu o escrevas? Tanto faz, de uma forma ou de outra, o
poema está escrito e tu podes voltar a dormir.
XXXVII
A
poesia ajuda, é verdade, a poesia ajuda mesmo quando destrói, ajuda
até tanto mais quanto mais destrói o preconceito, a angústia, o
medo, a firme certeza de um mundo dual, regido por um pensar lógico
que ignora os sonhos que sonhamos acordados.
XXXVIII
Digam
o que te disserem, a verdade é que o poema nunca é simples, por
mais simples que seja. Mas se não é simples, também não tem de
ser, necessariamente, complicado. O poema, qualquer poema, tal como a
vida, não pensa, somos sempre nós que afinal o pensamos.
XXXIX
O
poema é feito do que vemos e não conseguimos descrever. O poema é
feito do que sentimos e não conseguimos dizer. O poema não é feito
de ideias ou de emoções. O poema é feito de palavras e de
silêncios. Palavras ruidosas, silêncios insuportáveis. Palavras
que dizem muito, silêncios que dizem ainda mais.
XL
Dizem-me
que tudo o que acontece encerra em si mil possibilidades, e eu penso
logo em escrever um poema que fale sobre isso. Sinto mil
possibilidades de êxtase, mas o êxtase é o êxtase e o tédio é o
tédio, exista uma ou existam mil possibilidades, e se por um momento
me ergui em êxtase, logo me enchi de tédio.
XLI
O
que está fora de ti, está mesmo fora de ti, nunca é de mais
afirmá-lo. Podes intervir na realidade, podes até mudá-la, mas o
teu verdadeiro domínio só existe em ti. Não te culpes, não te
desculpes; só tu podes abrir e fechar a porta ao que está fora de
ti.
XLII
Se
não queres fazer, não faças. Se queres fazer, então faz. É
simples, muito simples: quer tu faças quer tu não faças, faz
sempre o que queres. Mas faças o que fizeres, nunca te esqueças que
uma árvore, qualquer que ela seja, nunca quer ser árvore, e tu, já
alguém o disse, tu não és nem mais nem menos do que uma árvore.
Tu és apenas o que és, e assim deves agir.
LXIII
Confia
no acaso; tudo acontece por acaso, mesmo quando não acontece por
acaso. Quando desconhecemos a razão, tudo acontece por acaso. Confia
no acaso e confia em ti; mesmo quando não sabes porquê, tu tens
sempre razão; basta que aprendas a confiar no acaso, basta que
aprendas a confiar em ti.
XLIV
Dizes
que existes tu e que existe o que te oprime, como se fossem duas
coisas diferentes, e esse tem sido o teu maior erro. Existes tu e
existe o que te oprime, é verdade, porém, o que te oprime também
és tu, e essa é a única dificuldade que tens afinal de enfrentar.
XLV
Podes
gostar ou não gostar de ti, do modo como às vezes pensas, do modo
como às vezes ages, e isso é tão natural quanto inevitável, no
entanto, aconteça o que acontecer, confia sempre em ti, confia tanto
mais quanto mais desconfies.
XLVI
Às
vezes penso em quem fui e em quem serei um dia, porém sei que só
interessa quem somos hoje, não quem fomos ontem, nem quem amanhã
seremos, porque quem somos hoje inclui quem fomos ontem e quem amanhã
seremos. Mesmo que nos esquecêssemos de quem fomos e deixássemos de
sonhar quem seremos, ainda assim seríamos, a cada momento, quem
somos hoje, quem fomos ontem e quem amanhã seremos.
LXVII
Não
sabes o que deves fazer, então fazes o que tens de fazer, não
pensas, não decides, deixas-te decidir, confias em ti e avanças,
surdo que ouve, cego que vê, sonho que pensa, ideia que age. E dizes
a ti mesmo que podes ser tudo se não fores coisa alguma a não ser
experiência e intuição.
LXVIII
Sei
quem sou mesmo quando não sei quem sou. Essa é a minha força, essa
é a minha fraqueza. Nunca quis ser outro mesmo quando não gostei de
ser eu. Essa é a minha força, essa é a minha fraqueza, já o
disse, mas tenho de o repetir, uma e outra vez, sem nunca parar. Todo
eu sou força, todo eu sou fraqueza, uma e outra à espera de uma
oportunidade.
LXIX
Não
sou forte nem sou fraco, não sou esperto nem sou parvo, não sou bom
nem sou mau, não sou uma coisa nem sou outra; sou, apenas, humano, e
nada mais; e assim sendo posso ser tudo o que é da minha natureza
ser.
L
Pergunto-me
o que quero, inquieto, mas logo a resposta me surge, tranquila: nunca
perguntes a ti mesmo o que queres, pergunta sempre quem és. A melhor
pergunta é a que se responde a si mesma.
LI
Fazemos
o que somos da mesma forma que somos o que fazemos, e somos tanto
mais quanto mais nos fazemos. Inventadas as regras, juramos-lhes
obediência e seguimos em frente, os olhos postos no prémio que é
jogar o jogo que é a vida. E é neste fazer que apostas afinal todo
o teu ser.
LII
Tu
não és muito. Tu és quase nada. Tu és pouco mais do que esse
estranho sopro que te anima, alento constante e determinado, ténue e
poderoso, que faz com que esse quase nada que és possa ser muito.
LIII
Podes
deixar para amanhã o que não podes fazer hoje, mas não te iludas,
há coisas que não deverás adiar, há coisas que não poderás
deixar de fazer. Tens de acreditar nisso. Podes deixar tudo para
amanhã, tudo menos ser quem és.
LIV
Às
vezes penso que devia desistir de uma parte de mim, como quem
prescinde de um membro doente para sobreviver. Mas se tudo o que sou
faz parte de mim, de que parte poderei separar-me e continuar a ser
eu? Ou será que para continuar a ser eu, tenho de continuamente me
tornar outro?
LV
Gosto
daquele estado em que já não estou e ainda estou em controlo,
estado em que as palavras se enchem de silêncios, estado em que
flutuo à tona do esquecimento, estado em que ser não é mais do que
apenas ser, estado a que uns chamam sonolência, estado a que outros
chamam amor.
LVI
Sinto-me
quase sempre ridículo, ao mesmo tempo indefeso e em controlo,
ridículo, completamente ridículo, umas vezes desesperadamente
ridículo, outras vezes orgulhosamente ridículo.
LVII
A
única diferença que existe entre uma cópia e um original, é que a
cópia segue-se ao original, como um dia se segue ao outro, sempre
mais um dia, sempre um dia novo. Cópia ou original, o mundo é
vulgar, o mundo é maravilhoso, só depende de ti, que sempre podes
viver tudo como se fosse a primeira vez.
LVIII
Sei
e não sei quem sou a cada momento. Conheço-me e desconheço-me;
desconheço-me muito mais do que me conheço. E isso assusta-me e
isso perturba-me. O pouco que sei que sou não é nada perante tudo o
que não sei se sou ou poderei ser. Mas se o mundo é mistério
pleno, porque haveria eu de ser diferente? A poesia, na sua louca
imaginação, persegue sempre a mesma única interrogação.
LIX
Dizem-me
às vezes que tenho a capacidade de me reinventar e eu fico sempre
admirado. Mas o que é que isso tem de extraordinário? Então a
capacidade de nos tornamos em quem somos, ainda que para isso nos
tenhamos de tornar outros, não é o que nos faz a todos ser quem
afinal somos?
LX
Não
existem forças adversas e forças favoráveis, existe apenas a tua
atitude perante essas forças que te são exteriores, como um
velejador perante o vento. Assim se vive a vida, assim se escreve o
poema, com humildade e brio.
LXI
Algumas
pessoas falam-me muitas vezes do medo de não terem tempo para fazer
o que querem, antes de morrer. Eu sinto apenas, muitas vezes, o
antigo e natural medo de morrer. E é nesses momentos que sempre digo
a mim mesmo que, se tivermos sorte, todos morremos um dia. O que
importa é estar vivo, aqui e agora, que é afinal como a vida deve
ser vivida. E isso deveria ser mais do que suficiente, aqui e agora.
LXII
Não
tenhas medo do medo, não tenhas medo de ter medo. Ter medo é estar
vivo, ter medo é estar atento, é estar pronto a agir. Usa o teu
medo com orgulho, usa-o com valentia; só conhecendo os teus limites
os podes ultrapassar. O poema ergue-se sempre sobre o medo e a
vergonha de não ser capaz de se dizer.
LXIII
Vais fazê-lo, sabes que
vais fazê-lo; então não penses mais no porquê e no para quê,
pensa apenas no que estás a fazer e fá-lo, que é isso que tens de
fazer. Fazer, por muito estúpido que te pareça, é sempre o melhor
que podes fazer, é sempre o melhor que podes pensar.
LXIV
Rompe, irrompe, clara,
imperiosa, a tua determinação, e tu interrogas-te sobre quem domina
quem, como se os teus sentimentos te fossem exteriores, como se tu
fosses apenas a folha em branco onde eles se escrevem. O poema é-te
exterior, mas é sempre em ti que ele se escreve.
Instantâneos
Haverá maior arrogância
do que representar o mundo e dizê-lo nosso?
*
Quando me zango comigo,
gosto de pensar que me zango com o outro em mim.
*
Tem sempre a certeza de
quem és, mesmo que para isso tenhas de duvidar constantemente de ti
próprio.
*
O problema não é
mudarmos ou permanecermos iguais, o problema é mudar para
continuarmos iguais a nós mesmos.
*
Ser feliz é sentir-me
feliz quando estou feliz e triste quando estou triste.
*
Não procures ser feliz,
vive com paixão.
*
Não te preocupes, as
preocupações nunca resolveram problemas.
*
Não compliques, ou
continuas ou desistes, a escolha é sempre fácil.
*
Não deixes que o que
tens de fazer te impeça de fazer o que queres fazer (ou tenta que o
que queres fazer coincida com o que tens de fazer).
*
Diz-te e ouve-te.
Confessa-te sempre a ti próprio.
*
Não tenhas medo de ter
medo, é a única forma de vencê-lo.
*
Esquece o que sabes, a
aventura espera-te.
*
Toma atenção: és quem
tu és, mas também és aquilo com que te enches.
*
Sou uma pessoa muito
equilibrada; as minhas qualidades são os meus defeitos.
*
Ser quem se é,
acredita, tem muito mais a ver com deixar ser do que deixar de ser.
*
Quando me zango é
comigo que me zango, ainda que me zangue com os outros.
*
Aceita o que não
compreendes, só assim poderás alguma vez compreendê-lo.
*
Se queres aprender,
ensina-te o que não sabes.
*
Sê tu mesmo; existe uma
forte possibilidade de o que é mau em ti não seres tu.
*
Primeiro, é preciso
estar lá; depois, é preciso deixares(-te) acontecer.
*
Aceita as tuas
fraquezas, ficarás mais forte.
*
Tenho mau feitio, é
verdade, mas acho que é melhor do que não ter feitio nenhum.
*
Vive dentro de cada
momento.
*
A luz ilumina, é
verdade, mas também cega.
*
Concentra-te no que
podes controlar; verás que é muito pouco.
*
Não tenhas medo de te
perder, só assim poderás descobrir o caminho de volta.
*
O que te pode curar é o
mesmo que te pode matar.
*
O que censuro nos
outros, tento corrigir em mim.
*
Não te apresses; estás
sempre atrasado para a vida, estás sempre adiantado para a morte.
*
Ri-te sempre das
contrariedades, com o tempo começarás a achar-lhes graça.
*
Dá atenção ao que
está ao teu alcance, o que está fora do teu alcance não é
diferente.
*
Em que estás a pensar?
Pensa nisso!
*
Tenho dificuldades em
esperar; estou sempre à espera que aconteça alguma coisa.
*
Uma coisa és tu e outra
são os outros; não sejas outro.
*
Porque é que viver é
sempre mais difícil do que estar vivo?
*
Falas sempre de ti
quando falas dos outros.
*
Para ver é preciso
acreditar, é preciso acreditar que se consegue ver.
*
Não sejas ridículo,
não tenhas medo de parecer ridículo!
*
O amor é uma doença,
tenho a certeza. Sou doente crónico.
*
A infelicidade, tal como
a palavra que a designa, contém em si a felicidade.
*
Não te subestimes nem
subestimes a mudança. Tu podes fazer a diferença.
*
Estar só é estar só.
Estar só e sentir-se só é estar ainda mais só.
*
Prefiro não ter a ter.
Se não tenho, não tenho; se tenho, quero mais.
*
Faz o que queres fazer
sem te importares com o que os outros possam dizer. Faças o que
fizeres, os outros sempre dirão o que quiserem, o problema nunca é
esse.
*
A felicidade depende
mais de ti do que das circunstâncias. Podes ser feliz na
adversidade, podes ser infeliz no sucesso.
*
Não te preocupes, se te
preocupas é porque estás vivo.
*
Ainda quando falo mal
dos outros, é sempre de mim que falo.
*
Há sempre algo que nos
puxa para baixo, há sempre em nós uma enorme vontade de voar.
*
Podemos ser vítimas,
mas nunca deixamos de ser agentes, até da nossa própria desgraça.
*
Sorri, parecer feliz é
já estar feliz.
*
Pede sempre a opinião
dos outros, mas nunca antes de teres a tua própria.
*
Quem tu és é
importante, mas ainda mais importante é que te aceites como és.
*
Do amor aceito as suas
muitas imperfeições, mas prefiro sobretudo a sua imperfeita
plenitude.
*
Eu sei que é difícil
dizer a verdade, mas podes sempre deixar de mentir.
*
Porque é que tudo me é
tão mais importante quanto mais inútil me parece?
*
Gosto de deixar certas
coisas ao acaso, mas não é por acaso.
*
Quando te encontras no
que escreves, chegaste lá; quando não te encontras no que escreves,
estás de novo a caminho.
*
Risco as palavras na
superfície áspera da folha em branco para que me iluminem.
*
Quando não tenho nada
para dizer, deixo que as palavras me digam.
*
A sabedoria é
completamente inútil se não lhe deres qualquer utilidade.
*
És quem és, é
verdade, mas também és quem consegues ser.
*
Umas vezes és mais do
que fazes, outras vezes és muito menos.
*
Acredita em ti, acredita
sempre em ti, só assim poderás duvidar de ti.
*
Se já perdeste a
guerra, porque travas ainda as mesmas batalhas?
*
Nunca se é culpado
desde que se seja responsável (ou irresponsável).
*
Sou como sou, o que quer
que isso seja.
*
Ser livre é (ser capaz
de) escolher a que (ou a quem) servir.
*
Se queres parecer
inteligente, cala-te.
*
Talvez ser menos seja
ser mais. Estar concentrado não é ser menos, é ser mais.
*
A verdadeira força é
fazer das fraquezas força.
*
Queres ser compreendido?
Talvez devas começar por tentar compreender os outros!
*
Persisto porque é da
minha natureza persistir, ou sou assim apenas porque persisto?
*
O mais importante é
quase invisível. Podes pressenti-lo mas não podes vê-lo.
*
Não procures fora de ti
o que só dentro de ti existe.
*
Não saber quem somos é
ser. Ser é sempre estar à procura.
*
Pior do que ser parvo é
não saber que se é parvo.
*
Ser ridículo é
inevitável quando se é humano, mas mais vale ser do que parecer.
*
Cala-te com frequência,
não só ouvirás mais como a vida te correrá melhor.
Somos tão bons a criar
regras como a criar excepções.
*
Umas vezes é preciso
encher a taça, outras vezes é preciso esvaziá-la.
*
Enganar os outros é
fácil, difícil é ser honesto.
*
Não acreditas em ti
porque existes, a verdade é que existes porque acreditas em ti.
Acredita em ti.
*
Ao amor não interessa
se é correspondido ou quanto tempo dura, ao amor basta-lhe existir.
*
Atenção, aquilo a que
deres importância será importante.
*
Interroga-te sempre, mas
não te esqueças que há um tempo para perguntar e um tempo para
responder.
*
Ninguém vive numa ilha
deserta.
Nota final
As perguntas são as
mesmas e nunca têm resposta, mas tu insistes. Talvez afinal não te
interessem as perguntas, talvez apenas te interessem as respostas.
Não escolheste o mundo
nem as perguntas que se te impõem, é natural que insistas. As
respostas que encontras são as tuas respostas e parecem-se tanto
umas com as outras como árvores numa floresta.
Avanças sem pressa,
imerso na escrita como numa floresta redundante. Aqui e ali
contemplas um formigueiro, aqui e ali surpreendes o voo de uma ave,
aqui e ali admiras-te com a beleza de uma flor singela, mas é sempre
a mesma floresta.
Procuras, procuras
sempre, estás sempre à procura; não sabes muito bem se procuras
semelhanças ou se procuras diferenças.
Dizes e escreves quase
sempre a mesma coisa, nem outra coisa poderias fazer.