quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Não me perguntem porquê [16]

[…]



O advogado passou a mão forte pelo rosto, como que a sentir a barba impecavelmente escanhoada. Ângelo Durão aguardava uma resposta, mas já a adivinhara, e pela primeira vez foi ele a tomar a iniciativa.

“Não tenho qualquer hipótese, não é?”

O advogado, e também poeta, não respondeu. Era um bom advogado, cauteloso e consciencioso. Se bom ou mau poeta, avalie quem o ler, que o mesmo poeta é muitas vezes bom para uns e mau para outros, pois digam o que disserem tudo depende afinal do gosto (ou se gosta ou não se gosta) e a da autenticidade (ou se é ou não se é diferente).

Ângelo Durão levantou-se, e o outro levantou-se também, rodeou a secretária, e aproximou-se dele.

“Não tem qualquer hipótese de conseguir o que quer”, disse-lhe. “Qualquer hipótese legal, pelo menos, mas talvez pudesse encetar algumas negociações que poderiam dar os seus lucros.”

Ângelo Durão olhou-o com o seu rosto triste de náufrago e disse-lhe com determinação que não iria desistir.

“Não tem nenhuma hipótese em termos legais de ver o livro retirado de circulação. E não estou a ver porque o farão de livre vontade. É verdade que rumores de má conduta poderão pôr em causa as duas empresas que financiaram o prémio, mas desconfio que isso até aumentaria as vendas e, no final, acabariam sempre por ganhar.”

Ângelo Durão abrira desmesuradamente os olhos e parecia querer fulminar o advogado, que sorriu ao vê-lo tão magro e desengonçado à sua frente, como um D. Quixote que recordava de um livro de leitura da sua infância, à beira de uma apoplexia, mas determinado e aguerrido.

“No final, se fizer escândalo, eles até lhe agradecem”, continuou o advogado, discretamente aproximando-se do outro, pronto a imobilizá-lo, não fosse o diabo tecê-las, mas Ângelo Durão voltara a sentar-se e chorava em silêncio, as lágrimas descendo-lhe pelo rosto inexpressivo.


Cruzeiro Seixas

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